Dportilho

As Marcas e o Comportamento Parasitário de Não Concorrentes

por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 128, ano 34, Setembro/Outubro de 2011

 

Há cinco anos, quando do décimo aniversário da Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/1996 (LPI), surgiu um projeto de lei de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares (PLS nº 308/2006) que poderá vir a ser um verdadeiro avanço no Direito de Propriedade Industrial brasileiro. Se aprovado e convertido em lei, esse projeto preencherá uma importante lacuna da LPI, pois impedirá que terceiros não autorizados possam registrar marcas muito famosas e prestigiadas, o que atualmente, em princípio, é possível, se os produtos e/ou serviços forem distintos daqueles identificados pela marca original.

Para se contextualizar a questão, usaremos como exemplo a marca VIAGRA, de titularidade da Pfizer, Inc., que identifica um dos medicamentos mais vendidos no Brasil. Justamente por sua fama e prestígio, várias empresas, obviamente não autorizadas pela Pfizer, tentam registrar a marca VIAGRA, ou variações dela, para identificar os mais diversos tipos de produtos e serviços.

Ocorre que, de acordo com a atual LPI, a proteção conferida pelo registro de uma marca é restrita à classe do produto/serviço na qual ela foi concedida e com as quais ela guarde afinidade. Em outras palavras, o registro da marca VIAGRA para medicamentos, concedido pelo INPI à empresa Pfizer, é suficiente para impedir o registro da mesma marca VIAGRA, ou de uma marca semelhante, em nome de um terceiro, para identificar medicamentos ou outros produtos análogos, como, por exemplo, cosméticos (art. 124, XIX, da LPI). Contudo, se a marca VIAGRA for imitada ou reproduzida por uma empresa de um segmento totalmente distinto – portanto não concorrente da Pfizer –, não existe previsão legal específica na atual LPI para o indeferimento de tal pedido.

Assim sendo, a menos que a marca VIAGRA seja reconhecida como de “alto renome”, o que lhe daria proteção especial em todas as classes, o INPI pode conceder o registro dessa marca, para identificar os mais diversos tipos de produtos e serviços, a empresas não concorrentes da Pfizer. Nesse sentido, podemos citar três pedidos de registro que já foram deferidos pelo INPI, não obstante terem sido impugnados pela Pfizer. São eles: VIAGRA para identificar artigos do vestuário, VIAGRA para argamassas e materiais de construção e FORRÓ VIAGRA para apresentação de shows. Vale salientar que esses três pedidos só não foram concedidos porque seus requerentes deixaram de efetuar o pagamento das retribuições oficiais para a concessão dos respectivos registros e os pedidos foram então automaticamente arquivados pelo INPI.

Além desses, existe um registro para a marca mista “VIAGRA”, para identificar calçados em geral, que foi concedido não obstante a oposição oferecida pela Pfizer, e que atualmente aguarda decisão do INPI sobre o processo administrativo de nulidade instaurado pela Pfizer. Existem também outros pedidos de registro, tais como VIAGRA TRANSPORTES, GUINDASTES VIAGRA, CATUABA VIAGRA para bebidas, e VIAGRÃO para doces à base de amendoim, que também aguardam o exame das oposições apresentadas pela Pfizer.

Mas a marca VIAGRA é apenas uma das inúmeras marcas famosas e prestigiadas que são depositadas por empresas, digamos, pouco criativas, para identificar seus produtos. Apenas a título de ilustração, podemos citar os registros concedidos pelo INPI para a marca SAL DE FRUTA para bolsas e artigos do vestuário, e para a marca ME MERTHIOLATE para roupas, não obstante terem sido eles impugnados pelas verdadeiras titulares.

E é justamente para evitar esse tipo de “carona” na fama e no prestígio de marcas alheias, que o Senador Antonio Carlos Valadares apresentou o projeto de lei em questão, cuja justificação é bastante clara e objetiva, como pode ser observado pelos trechos grifados no texto abaixo reproduzido:

“JUSTIFICAÇÃO
A Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (Lei da Propriedade Industrial), quando disciplina os direitos e obrigações decorrentes do registro de marcas no Brasil, protege as marcas de alto renome em todos os ramos de atividade. As marcas que não gozam desse status somente encontram proteção nos ramos de atividade para o qual o titular tenha solicitado o registro.
Entretanto, há marcas medianamente famosas, com inegável prestígio e reputação, mas que não podem ser classificadas como de alto renome. Essas marcas podem ser utilizadas maliciosamente em outros ramos de atividade para os quais não estão protegidas, já que o violador não é concorrente direto do detentor da marca. (…)”

Assim, de modo que o INPI possa ter uma base legal para indeferir pedidos de registro como os dos exemplos citados acima, a proposta do Senador Valadares em seu PLS é que, ao art. 124 da LPI, seja acrescido um parágrafo único nos seguintes termos:

“Art. 124 – Não são registráveis como marca:
(…)
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
(…)
Parágrafo único. Na hipótese do inciso XIX, a proibição do registro se estende aos casos em que a marca se destinar a distinguir produto ou serviço não idêntico, semelhante ou afim, se o titular da marca demonstrar que a imitação configura concorrência desleal, prejuízo a sua imagem ou utilização indevida de sua imagem corporativa ou de seu prestígio. (NR)”

É importante observar que o escopo desse projeto de lei é mais amplo, prevendo também uma alteração no art. 195 da LPI, que trata dos crimes de concorrência desleal. Assim, vários outros comentários poderiam ser feitos a respeito do projeto, a começar pelo próprio objetivo declarado em sua ementa que é o de alterar a LPI a fim de coibir a “concorrência parasitária”, mas cuja justificação revela que a preocupação principal e motivadora do seu propositor é na verdade a coibição do “aproveitamento parasitário”. Entretanto, esses são assuntos para outro artigo…

Por ora, podemos concluir que, apesar de o PLS já estar tramitando há cinco anos e apesar de ainda ter um longo caminho para percorrer até que ele possa ser convertido em lei, há luz no fim do túnel. Realmente, para as empresas que, por conta de uma evidente lacuna legal, têm tido suas marcas usurpadas, a simples possibilidade de se por um fim a esse tipo de comportamento parasitário já deve ser motivo para comemoração. Afinal, a esperteza daqueles que preferem se locupletar à custa de outrem pode estar com os dias contados, pelo menos no que se refere à questão marcária…

 


©Deborah Portilho – agosto 2011

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