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Limitações ao Registro: quando o uso da marca de terceiros é permitido

Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 129, Novembro/Dezembro de 2011, p.30-32.

Em princípio, o uso de uma marca registrada é exclusivo do respectivo titular e/ou de empresas por ele devidamente licenciadas. Contudo, existem algumas exceções na Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96 – LPI) que prevêem o uso de marca alheia registrada, mesmo quando tal uso não tenha sido expressamente autorizado pelo titular. Trata-se das “limitações ao registro”, listadas no art. 132 da LPI, que indicam as situações nas quais o titular não pode impedir o uso de sua marca. Mas será que esse uso é indiscriminado, ou seja, será que essa permissão inclui o uso das marcas figurativas, mistas (nome mais figura) e/ou do logotipo da empresa e ainda a citação da marca em propagandas comparativas?

De modo a facilitar a análise e o entendimento da questão, as quatro limitações estão reproduzidas abaixo e, em seguida, serão discutidas separadamente:

“Art. 132 – O titular da marca não poderá:
I – impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização;
II – impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência;
III – impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos Parágrafos 3º e 4º do art. 68; e
IV – impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo. ”

Com relação ao inciso I, a limitação é bastante coerente. Com efeito, não seria aceitável que um titular impedisse que comerciantes ou distribuidores utilizassem suas próprias marcas, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização. Por esse motivo, concessionárias, supermercados, farmácias, drogarias, bem como qualquer outro tipo de empresa que comercialize ou distribua, legalmente, produtos fabricados por terceiros podem usar a marca de tais produtos (inclusive em suas formas estilizadas) em encartes, catálogos e promoções em geral, juntamente com suas próprias marcas. Obviamente, se esse uso for feito de modo a enganar os consumidores quanto à origem do produto ou a desviar clientela alheia, ele deixa de ser permitido e pode até ser considerado crime contra registro de marca1 e/ou crime de concorrência desleal2.

Já com relação ao inciso II, a questão não é tão simples em vista da ressalva nele contida. Nesse sentido, a lei prevê que o titular não pode impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência. Mas o que seriam “práticas leais de concorrência” neste caso? Para responder a essa questão, podemos usar como exemplo um fabricante de acessórios para celulares (capas, adaptadores, carregadores para veículos, etc.). Considerando que a fabricação de tais produtos é perfeitamente legal (desde que não infrinja uma patente ou um desenho industrial do titular), o fabricante não poderia ser impedido de indicar a marca a que os acessórios se destinam. Com efeito, caso a finalidade do produto tivesse que ser indicada de modo genérico (“capa para celular”, por exemplo), seria simplesmente inviável a comercialização desses produtos por uma empresa que não fosse o titular da marca ou sua licenciada. Nesse aspecto, se a marca não pudesse ser sequer mencionada, o consumidor não teria como saber para que marca e modelo de celular aquele acessório é destinado, principalmente considerando a enorme variedade de marcas e de modelos existentes.

Contudo, é importante observar que, para que essa comercialização/promoção seja possível, é suficiente a indicação da marca/nome do produto nas embalagens/propagandas. Ou seja, basta que a marca seja usada em letras de forma, com o objetivo exclusivo de informar a finalidade do produto, e não de promovê-lo. Se assim não fosse e se qualquer outro fabricante, não licenciado, pudesse usar os logotipos e as formas mistas/estilizadas nas quais a marca se apresenta, inclusive no próprio produto, ele estaria concorrendo de forma desleal não só com o titular, mas também com as empresas licenciadas que pagam altas somas de royalties pelo uso daquela mesma marca. Daí a razão da ressalva “observadas as práticas leais de concorrência”.

Por seu turno, o inciso III é bastante objetivo. Ele estabelece que o titular não pode impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento. É a chamada “exaustão de direitos”. Isso significa simplesmente que, uma vez que o titular da marca colocou o produto no mercado diretamente, ou indiretamente com seu consentimento, ele não pode impedir que tal produto seja revendido. Ainda com relação ao inciso III, cabe mencionar que a ressalva relativa ao disposto nos Parágrafos 3º e 4º do art. 68 trata de licença compulsória e de importação de produtos patenteados. Como o tópico desta ressalva foge ao escopo deste artigo e não é necessário para o entendimento da questão, ele não será comentado.

Por fim, o inciso IV. Apesar de bastante claro, esse inciso comporta uma interpretação a contrario sensu. De acordo com esse dispositivo legal, o titular não pode impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo. Considerando que as propagandas de produtos e de serviços possuem “conotação comercial”, a interpretação desse inciso a contrario sensu indica que o titular poderia impedir o uso de sua marca em qualquer peça publicitária. Essa interpretação também é reforçada pelo exposto no art. 131, segundo o qual a proteção conferida pelo registro abrange o uso da marca em papéis, impressos, propagandas e documentos relativos à atividade do titular.

Assim sendo, com exceção das limitações previstas pelos três incisos anteriores, o titular poderia impedir o uso de sua marca por qualquer terceiro não autorizado, inclusive em propagandas comparativas.

Já que é impossível falar sobre o inciso IV do art. 132 sem mencionar a questão da propaganda comparativa, também não se pode deixar de dizer que, apesar da proibição implícita contida nesse inciso, a propaganda comparativa é prevista pelo art. 32 do Código do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária ¬– CONAR. De fato, o caput do artigo 32 dispõe que, em vista das modernas tendências mundiais – e atendidas as normas relativas à matéria contidas na Lei da Propriedade Industrial –, a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os oito princípios e limites nele listados. Nesse sentido, cabe notar que, apesar de as normas do CONAR não terem força de lei, na prática, elas costumam prevalecer sobre a proibição implícita do inciso IV do art. 132 da LPI.

Como se verifica, o uso de marca registrada de terceiros pode ser feito nos casos previstos nos quatro incisos do art. 132 da LPI, mas depende, acima de tudo, do bom senso daqueles que dela se utilizam, especialmente em se tratando de empresas concorrentes. De qualquer forma, caso tal uso seja feito além dos limites permitidos e sem o necessário “bom senso”, o titular da marca pode então se valer do “contrario sensu” para cessar o uso indevido.

 


Notas:
1
Art. 189. Comete crime contra registro de marca quem:
I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão.


2 Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
(…)
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem

 


©Deborah Portilho é Advogada especializada em marcas farmacêuticas,
professora de Direito de Propriedade Industrial do LL.M.
Direito Corporativo do IBMEC/RJ e
Sócia-Diretora da D.Portilho Consultoria e Auditoria de Marcas.
E-mail: deborah.portilho@dportilho.com.br 

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