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Por que as Marcas não podem ser patenteadas e por que as Patentes não “quebram”?

por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 152, ano 37, Mar./Abr. 2015

 

Certamente você já ouviu falar em “marca patenteada” e “quebra de patente”. Essas frases são tão comuns que duas rápidas pesquisas no Google apontaram, em segundos, respectivamente, 6.580 e 75.100 resultados. Mas, apesar de serem expressões comumente usadas, principalmente em textos jornalísticos e até por alguns advogados de outras áreas, as marcas simplesmente não podem ser patenteadas e as patentes não “quebram”!

De maneira bem simplificada, a patente protege as invenções (um novo produto, uma nova tecnologia, um novo processo de fabricação). Por seu turno, a marca protege o “sinal distintivo” que identifica o produto, seja ele um nome, desenho, símbolo, logotipo e/ou qualquer característica distintiva que seja usada para identificar e distinguir um produto ou serviço dos de seus concorrentes.

Outra importante diferença entre as patentes e as marcas é o tempo de duração da proteção. O objeto da patente, obrigatoriamente, passa a ser de domínio público ao final do período de proteção, que é de 20 anos para as patentes de invenção e de 15 anos para as patentes de modelos de utilidade (invenções com menor grau de inventividade). Em outras palavras, a proteção conferida pelo Governo, que possibilita que o titular da invenção explore sua invenção com exclusividade por 20 ou 15 anos (dependendo do tipo de patente) deixa de existir ao final desse prazo, fazendo com que a patente caia em domínio público. Isso se faz necessário para que se possa promover o desenvolvimento tecnológico, em benefício de toda a sociedade.

Já com relação às marcas, o registro vigora por dez anos e pode ser prorrogado, indefinidamente, por períodos iguais e sucessivos. Isso é possível porque, sendo a marca apenas um sinal/nome/logo, ela pode ser mantida em nome de seu titular original, indefinidamente, pois essa exclusividade não prejudica de forma alguma, nem a sociedade como um todo, nem os concorrentes da empresa.

Nesse sentido, tomando-se o medicamento VIAGRA da Pfizer (não literalmente, mas apenas como exemplo), a proteção da respectiva patente expirou em 20 de junho de 2010. Ou seja, o uso do Citrato de Sildenafila (princípio ativo do VIAGRA) para tratamento da disfunção erétil passou a ser de domínio público a partir daquela data, quando então todas as empresas interessadas puderam lançar seus próprios genéricos e similares do VIAGRA. Contudo, a marca VIAGRA continuou, e continua, a pertencer à Pfizer, pois seu registro segue em vigor, independentemente da proteção do objeto da patente do produto ter caído em domínio público. Como o registro da marca VIAGRA continua plenamente válido e eficaz, a Pfizer mantém o direito ao uso exclusivo da marca, em todo o território nacional e, consequentemente, o direito de impedir terceiros de usar marca igual ou semelhante que possa induzir confusão.

Como se verifica, marca e patente são dois institutos diferentes – dois tipos de proteção distintos e inconfundíveis. Patente é tecnologia, produto, processo. Marca é nome, símbolo, logotipo. Portanto, não há como se “patentear” uma marca, mas tão somente como registrá-la.

Com relação à expressão “quebra de patente”, cabe esclarecer que a Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96 (LPI) não prevê possibilidade de uma “quebra” no sentido de derrubada, suspenção do direito sobre uma patente. Não obstante, essa expressão é largamente utilizada na mídia em, pelo menos, três tipos de situações, sempre dando a impressão enganosa de que o direito do titular foi “quebrado”, “derrubado”.

O primeiro exemplo de uso da expressão “quebra de patente” é com relação à expiração do prazo de proteção de uma determinada patente, que cai em domínio público. Como o titular toma ciência da duração da proteção, desde o depósito do pedido de patente, o termo “quebra da patente” não é o mais adequado, pois passa a falsa impressão de quebra/retirada de um direito, quando na realidade esse direito apenas expirou no prazo previsto pela lei.

O segundo sentido foi bastante utilizado no caso da patente do medicamento VIAGRA. A Pfizer lutava judicialmente para ter assegurada a patente protegida até junho de 2011 (20 anos contados da data de depósito no Brasil). Entretanto, em vista das condições especiais em que o depósito foi feito, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acabou sendo a favor da contagem a partir do primeiro depósito no exterior e a patente então caiu em domínio público um ano antes (em junho de 2010). De qualquer forma, a Pfizer sempre soube dessa possibilidade. Ela apenas estava tentando obter a proteção mais longa. Mas o fato de não ter conseguido, não significa que tenha havido uma “quebra” de patente, no sentido de retirada forçada de um direito.

Por fim, o terceiro sentido da expressão “quebra de patente” – que é o mais comumente usado pela mídia – é simplesmente um das possibilidades de “licença compulsória” previstas pela LPI. Nesse sentido, sempre que houver emergência nacional ou interesse público, o Poder Executivo Federal pode requerer o licenciamento compulsório da patente, o qual será temporário e não exclusivo (1). Além do mais, essa licença compulsória será remunerada (2). Portanto, mais uma vez, o uso da expressão “quebra de patente” passa uma falsa impressão de que o titular perde seu direito, quando na realidade ele é apenas obrigado a licenciá-lo.

De qualquer forma, é perfeitamente compreensível que a mídia dê preferência ao uso da expressão “quebra de patente”, em detrimento das expressões “prazo expirado” e “licenciamento compulsório de patente”. Afinal, aquela é muito mais forte e atrativa do que estas e, quando se trata de manchetes, quanto mais atenção chamar, melhor. A única ressalva que precisa ser feita é que, no corpo do texto da matéria, a explicação correta seja sempre fornecida para não passar uma falsa mensagem para o leitor. Sim, porque se isso fosse feito não estaríamos ouvindo ainda com tanta frequência as “quebras de patentes” (ainda bem que elas não fazem barulho…).

E quanto às “marcas patenteadas”? Bem, esse é um simples erro de conceito que só deixará de ser cometido quando o conhecimento sobre as significativas diferenças entre marcas e patentes for, de fato, de “domínio público”.

 

Notas:

(1) Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.
Parágrafo único. O ato de concessão da licença estabelecerá seu prazo de vigência e a possibilidade de prorrogação.
Art. 72. As licenças compulsórias serão sempre concedidas sem exclusividade, não se admitindo o sublicenciamento.

(2) Art. 73. O pedido de licença compulsória deverá ser formulado mediante indicação das condições oferecidas ao titular da patente.
§ 1º Apresentado o pedido de licença, o titular será intimado para manifestar-se no prazo de 60 (sessenta) dias, findo o qual, sem manifestação do titular, será considerada aceita a proposta nas condições oferecidas.
[…]
§ 4º Havendo contestação, o INPI poderá realizar as necessárias diligências, bem como designar comissão, que poderá incluir especialistas não integrantes dos quadros da autarquia, visando arbitrar a remuneração que será paga ao titular.

© Deborah Portilho* – março de 2015

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