Dportilho

O que se pode aprender com o caso IPHONE

por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 138 – Ano 35, Março/Abril 2013, p.46-48.

É interessante como, até a partir de um conflito envolvendo marcas de celulares, é possível tirar ensinamentos para os titulares de marcas farmacêuticas. Um bom exemplo é a recente polêmica envolvendo a Gradiente e a Apple em torno da marca IPHONE.

A história começa no ano 2000, mais precisamente no dia 29.03, quando a empresa IGB Eletrônica depositou um pedido de registro perante o INPI para a marca “G GRADIENTE IPHONE”, na forma mista (incluindo o logo da Gradiente), para identificar aparelhos telefônicos celulares. Seis longos anos se passaram até que a Apple depositasse seu pedido de registro para a marca “IPHONE iPhone” no Brasil e no exterior, tendo o lançamento mundial do primeiro celular iPhone da Apple ocorrido apenas um ano depois, em 2007.

Em 02.01.2008, o registro da marca “G GRADIENTE IPHONE”(1) foi concedido pelo INPI, enquanto que o pedido de registro (2) da Apple continuava aguardando a análise daquele Instituto. Independentemente de uma decisão sobre o pedido de registro de sua marca, a Apple colocou seu aparelho iPhone no mercado brasileiro. Por sua vez, a Gradiente, mesmo já tendo o registro da marca desde janeiro de 2008, não se preocupou em utilizá-la até dezembro de 2012, ou seja, menos de um mês antes de seu registro ficar vulnerável à caducidade.

Nesse sentido, é importante notar que, de acordo com o art. 143 da LPI (Lei da Propriedade Industrial Nº 9.279/96)(3), o uso de uma marca deve ser iniciado em até 5 (cinco) anos, contados da data da concessão do respectivo registro, e a marca deve ser usada tal como concedida; caso contrário, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse, esse registro poderá ser declarado caduco e, consequentemente, extinto. Por esse motivo, antes que expirasse o prazo de 5 anos, a Gradiente colocou um celular no mercado com a marca “G GRADIENTE IPHONE”, exatamente na forma como a marca havia sido concedida, o que, em princípio, deverá ser suficiente para impedir a caducidade do registro.

Essa ação da Gradiente mereceu destaque em praticamente todas as mídias e, de acordo com as notícias veiculadas, em vista da existência do registro da empresa brasileira, o pedido de registro da Apple seria indeferido e o famoso iPhone poderia até ser retirado do mercado brasileiro. Com efeito, como a marca IPHONE da Apple é, tecnicamente, uma “reprodução parcial” da marca anteriormente registrada “G GRADIENTE IPHONE”, de acordo com a LPI, o INPI deveria indeferir o pedido de registro da Apple, com base no art. 124, XIX, da LPI(4), como realmente ocorreu em 13.02.2013.

Contudo, o indeferimento do pedido de registro da marca não implica, necessariamente, na retirada dos produtos da Apple do mercado. Nesse sentido, é importante notar que, de acordo com o art. 129 da LPI(5), o citado registro concede à Gradiente o direito ao uso exclusivo de sua marca, em todo o território nacional e, por via de consequência, o direito de impedir terceiros de usar marca igual ou semelhante. Entretanto, a decisão de tentar impedir que a Apple utilize a marca no país cabe unicamente à Gradiente e não ao INPI. E, mesmo que a decisão do INPI com relação ao pedido de registro da marca fosse final (o que ainda não é), seria necessário que a própria Gradiente movesse uma ação judicial para que a Apple cessasse o uso da marca iPhone no Brasil.

Como a simples existência do registro da Gradiente deixou a Apple em uma posição relativamente desfavorável, ela fez uso da máxima: “a melhor defesa é o ataque”. Assim, mesmo a Gradiente tendo iniciado o uso de sua marca antes do prazo de 5 anos, a Apple pediu a caducidade do registro da Gradiente, alegando que tal uso não teria sido “genuíno, mas planejado unicamente para se evitar a incidência do instituto da caducidade e não para constituir um uso legítimo, efetivo e leal de marca registrada”(6). Nesse sentido, a LPI estabelece apenas que o registro caducará se, decorridos 5 anos da concessão, “o uso não tiver sido iniciado no Brasil”. Assim sendo, mesmo que a Gradiente tenha iniciado o uso de sua marca apenas para fortalecer sua posição em uma possível negociação com a Apple, não se pode afirmar que a tese defendida pela Apple será acatada pelo INPI. De qualquer forma, a questão provavelmente será resolvida pelas partes bem antes de uma decisão daquela autarquia.

Mas e os ensinamentos?

Bem, o primeiro é sobre a coincidência na escolha da marca IPHONE pelas duas empresas. Na realidade, quando se escolhe marcas formadas por termos de uso comum no segmento, corre-se esse risco. No caso da marca IPHONE, ela foi construída de forma muito óbvia e nada original: pela junção da letra “i” de internet com a palavra “phone”. Marcas como essa são consideradas fracas sob o ponto de vista jurídico e, se não forem indeferidas com base em uma marca igual ou semelhante anteriormente registrada, acabam tendo que conviver com marcas similares, como é o caso das marcas ANADOR, ALIVIADOR, LISADOR, MIRADOR, SARADOR, SEDADOR, SYLADOR, dentre outras que coexistem no mercado. Assim, se a empresa quer uma marca forte, ela deve buscar nomes que não sejam relacionados com os próprios produtos. DALSY e PONSTAN, para medicamentos para dor, e BLACKBERRY e mesmo APPLE, para celulares, são exemplos de marcas fortes.

O segundo ensinamento é quanto ao uso da marca, seja ela forte ou fraca. É imprescindível que, além de o uso ser iniciado antes de expirar o prazo de 5 anos e também não ser interrompido por mais de 5 anos consecutivos, é igualmente importante que a marca seja efetivamente usada, em escala comercial, e exatamente na forma como foi registrada. Caso contrário, o respectivo registro pode ser declarado caduco.

Outro ensinamento diz respeito à impossibilidade de a Gradiente licenciar e/ou ceder sua marca para a Apple. Com efeito, a Gradiente não pode licenciar sua marca, porque tal licença seria para a marca registrada “G GRADIENTE IPHONE” e não apenas para o elemento IPHONE e a Apple certamente não iria usar a marca da Gradiente. Também por a marca ser formada pelo G de Gradiente e pela própria marca GRADIENTE, a empresa brasileira não pode ceder seu registro para a Apple, pois, de acordo com o art. 135, da LPI , isso implicaria na extinção automática de todos os registros das marcas formadas pelo nome Gradiente que não fossem cedidos para a Apple. Uma possibilidade seria um acordo de coexistência das marcas da Gradiente e da Apple. Entretanto, como esse tipo de acordo não é previsto pela LPI, o INPI não é obrigado a aceitá-lo e pode manter o indeferimento do pedido de registro da marca da Apple.

Em vista dessas restrições, para que as empresas não se vejam impossibilitadas de negociar seus registros, elas devem evitar registrar marcas (para produtos) que incorporem o elemento característico do nome da empresa, como, por exemplo, “G GRADIENTE IPHONE” e SEDALMERCK.

Mas como termina a questão da marca IPHONE? Muito provavelmente em um acordo e, possivelmente, a Gradiente renunciando ao seu registro, pois isso automaticamente abriria o caminho para o registro da marca da Apple. Mas isso vai depender se, e quanto, a Apple está disposta a pagar… Como toda boa história, essa também divide opiniões, mas nada impede que ela venha a ter um final nos moldes do “foram felizes para sempre!”

 


Notas:
(1) Registro nº 822112175
(2) Pedido Nº 828743193
(3) Art. 143 – Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento:
I – o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil;
ou
II – o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.
(4) Art. 124. Não são registráveis como marca: (…)
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
(5) Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional (…)
(6) Petição Eletrônica 850130005082, de 10/01/2013 (disponível no PORTAL INPI).


©Deborah Portilho é Advogada especializada em marcas,
com particular foco na área farmacêutica,
professora de Direito de Propriedade Industrial do Curso LL.M.
Direito Corporativo do IBMEC/RJ e
Sócia-Diretora da D.Portilho Consultoria e Auditoria de Marcas.
E-mail: deborah.portilho@dportilho.com.br

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