por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 176- ano 42, Nov/Dez 2018, p.42-43
Apesar de sabermos que determinadas mudanças na área regulatória são necessárias para o benefício da coletividade, é preciso verificar se elas causam problemas ao setor regulado e, em caso positivo, tentar minimizá-los na medida do possível. Notadamente no caso da adoção de novos procedimentos para a realização de um processo tão importante como o da aprovação de uma marca de medicamento pela ANVISA, a implementação da Orientação de Serviço (OS) nº 43/2017 – que instituiu mudanças significativas na análise de colidência de nomes/marcas – tem de fato gerado problemas para os laboratórios. E alguns desses problemas são ainda agravados pela situação da base de dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), como será discutido adiante.
Especificamente com relação ao processo de avaliação de colidência gráfica e fonética dos nomes/marcas submetidos à aprovação da ANVISA, a mudança ocorrida a partir da adoção do sistema POCA (Phonetic and Orthographic Computer Analysis)[1]tem causado impactos consideráveis para os laboratórios farmacêuticos. Nesse sentido, apesar de o POCA já conter os nomes dos medicamentos cadastrados na ANVISA, as avaliações fonéticas feitas por esse sistema são baseadas na língua inglesa, o que obviamente gera resultados, no mínimo, questionáveis. Um exemplo interessante é o do “nome candidato” DILAFIN que, ao ser pesquisado no POCA, apontou, entre outros, o nome/marca XILOFEN. De acordo com os resultados dessa pesquisa, a semelhança ortográfica entre DILAFIN e XILOFEN é da ordem de 61% e a fonética de 88% [!], totalizando 74% de pontuação combinada. Isso significa que, consoante o sistema, existe uma “alta similaridade combinada” (>70%) entre essas duas marcas.
Obviamente, se o POCA estivesse adaptado para o português, ele não teria apontado a marca XILOFEN – cuja pronúncia em nosso idioma é “CHILOFEN” e não “ZILOFIN” (que seria a pronúncia aproximada em inglês) – como colidente com DILAFIN, quando na realidade essas marcas são suficientemente distintas para coexistirem de forma pacífica no mercado.
Portanto, apesar de o POCA facilitar a análise de colidência gráfica, os seus parâmetros fonéticos precisam ser adaptados urgentemente para a pronúncia em português, de modo que a análise de colidência fonética possa ser feita de forma minimamente adequada. Infelizmente, até que essa adaptação seja feita, o sistema continuará gerando falsos resultados de colidência, o que aumenta o número de análises e, consequentemente, atrasa a concessão dos registros sanitários.
Outra importante questão que precisa ser observada diz respeito à validade dos registros sanitário e/ou marcário das marcas que são apontadas como base para a recusa de nomes candidatos pela ANVISA. Para exemplificar essa questão, utilizaremos o caso da efetiva rejeição do já citado DILAFIN com base na marca do produto DILAUDID, cujo registro sanitário está vencido desde dezembro de 2005.
Com efeito, apesar de há 13 anos não existir um medicamento com a marca DILAUDID no mercado, ela consta da base de dados da ANVISA e, por esse motivo, foi apontada na busca efetuada por meio do POCA como impeditiva ao registro do nome DILAFIN. Por seu turno, o registro da marca DILAUDID no INPI está em vigor, tendo, inclusive, sido prorrogado em abril de 2018.
Assim, cabe indagar: será que a existência de um registro de marca em vigor no INPI, para identificar um medicamento que já não é comercializado há vários anos no País, pode servir de base para a rejeição de um nome candidato para o registro de um novo medicamento? Nesse aspecto, deve ser ressaltado que a falta de uso de uma marca por mais de cinco anos consecutivos pode ensejar a declaração de caducidade do respectivo registro[2], a qual pode ser requerida por qualquer terceiro com legítimo interesse. De toda forma, como a OS nº 43/2017 é silente a esse respeito (registro sanitário extinto v. registro da marca em vigor), o problema precisa ser considerado e esclarecido pela ANVISA.
Além do mais, em vista do grande número de colidências apontadas pelo sistema POCA e das consequentes recusas de nomes pela ANVISA, as empresas têm se visto obrigadas a apresentar diversos nomes alternativos para o registro de um único medicamento. Considerando que o primeiro nome alternativo só pode ser analisado pela ANVISA “após avaliação integral da primeira proposta e envio a [sic] empresa da motivação da reprovação da proposta inicial”[3], o tempo total de avaliação pode chegar a mais de um ano. E este tem sido o principal problema enfrentado pelos laboratórios após a implementação dos procedimentos previstos pela OS nº 43/2017.
De fato, se antes a GGMED levava de três a quatro meses para a aprovação de um nome, atualmente esse processo tem levado cerca de seis meses e, de acordo com relatos de algumas empresas, em certos casos, a demora chega a 18 meses. Na prática, isso gera prejuízos para a empresa, pois ela fica impossibilitada de iniciar a comercialização do medicamento até que um nome seja finalmente aprovado pela ANVISA, para que então o respectivo registro sanitário possa ser concedido.
Seja como for, os problemas relacionados ao POCA e ao tempo de análise podem ser gradativamente resolvidos pela própria ANVISA. Contudo, existe outro problema, cuja solução não cabe a essa Agência, e que, devido a sua natureza, não poderia ser rapidamente solucionado. Estamos falando da superlotação da base de dados do INPI, a qual dificulta sobremaneira a criação/adoção de uma marca que possa ser registrada perante esse Instituto. Nesse aspecto, cabe mencionar que, apenas na Classe 05 (na qual as marcas de medicamentos são registradas), existem hoje 82.544 processos de marcas ativos[4] (pedidos de registro em andamento e registros em vigor). Portanto, encontrar um nome que não conflite com nenhuma dessas 82 mil marcas, e ainda atenda aos requisitos previstos na Lei nº 6.360/76, na RDC nº 59/2014 e na OS nº 43/2017, é deveras complicado.
Justamente por isso, ainda que a adoção dos procedimentos previstos na OS nº 43/2017 seja importante e necessária para a coletividade, os “efeitos adversos” dela decorrentes, ou seja, os problemas que as empresas têm enfrentado a partir de sua implementação – e que foram aqui discutidos – também precisam ser levados em consideração pela ANVISA. Afinal, o propósito primordial da aplicação dessa norma é evitar prováveis erros de medicação resultantes da efetiva semelhança de nomes/marcas de medicamentos, e não de possibilidades remotas de colidência, apontadas por um sistema ainda não adaptado ao nosso idioma, que acabam atrasando a concessão dos registros sanitários e, consequentemente, prejudicando o setor regulado.
©Deborah Portilho* – novembro de 2018
Contato: deborah.portilho@dportilho.com.br
* Advogada especializada na área de Propriedade Industrial, Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pela Academia do INPI e com MBA em Marketing pelo Ibmec/RJ; professora de Direito de Propriedade Industrial da pós-graduação (LL.M.)em Direito Corporativo do Ibmec/RJ; sócia-diretora da D.Portilho Consultoria, Auditoria & Treinamento em Propriedade Intelectual; presidente da Comissão de Direito da Moda da OAB/RJ (CDMD); membro do Conselho Consultivo e de Ética da Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI) e membro também da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI e do Pharmaceutical Trade Mark Group – PTMG.
[1]POCA (Phonetic and Orthographic Computer Analysis) é o nome do sistema utilizado pelo FDA (U. S. Food and Drug Administration), projetado para auxiliar na identificação de possíveis conflitos fonéticos e ortográficos.
[2]Art. 143 da Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/1996 (LPI).
[3] Art. 8º, § 2º da OS nº 43/2017
[4]Dados obtidos, em 05.11.2018, por meio de pesquisa na base de dados da HC Office Tecnologia em Propriedade Intelectual (www.hcoffice.com.br).