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CORES E FORMAS DE COMPRIMIDOS PODEM SER REGISTRADOS COMO MARCA?

Deborah Portilho e Tais Capito
Revista UPpharma nº 198 – Ano 48, Julho/Agosto 2022, p.58-59.

De qual medicamento você se lembra quando falamos de um comprimido azul e em formato de losango? E dos comprimidos bicolores, verde e laranja, e dos tricolores rosa, branco e laranja? E por falar em laranja, em quais tipos de medicamentos/suplementos essa cor é frequentemente utilizada? Provavelmente você respondeu VIAGRA®, BENEGRIP®, CORISTINA D® e medicamentos à base de Vitamina C. E você acertou, mas será que essas características de cor e forma podem ser registradas como marcas das empresas fabricantes desses medicamentos?

Bem, para responder a essa pergunta especificamente, é necessário explicar quando cores e formas podem ser registradas como marca e ser de uso exclusivo de seu titular.

Nesse sentido, a Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96 (LPI) prevê, em seu art. 124, VIII, que as cores, isoladamente, não podem ser registradas como marca. Entretanto, o mesmo artigo dispõe que, se elas estiverem “dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo”, o registro é possível. Quanto às formas, de acordo com o inciso XXI do mesmo art. 124, aquelas que forem de uso necessário, comum ou vulgar do produto ou que sejam meramente funcionais não podem ser protegidas como marca. Em outras palavras, formas que sejam distintivas e ornamentais – inclusive no caso de cápsulas e comprimidos – são perfeitamente registráveis.

Mas como saber quando a cor e/ou a forma de um comprimido são de uso necessário, comum, vulgar e/ou funcional? Na maioria dos casos, os comprimidos têm a cor de seus princípios ativos (normalmente, brancos) e geralmente são redondos ou ovais, mas muitos possuem cores e formas diferenciadas, que os distinguem dos demais medicamentos. Como exemplo, além daqueles já mencionados das marcas VIAGRA®, BENEGRIP® e CORISTINA D®, podemos citar os comprimidos dos medicamentos REQUIP®, CONCOR® e PROZAC®, cujas formas estão reproduzidas a seguir, juntamente com as respectivas imagens registradas perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. No caso dos dois primeiros exemplos, os comprimidos foram registrados como marcas tridimensionais (3D) e, no caso do PROZAC, como marca figurativa, com proteção apenas para a combinação de cores e não para a forma da capsula:

Mas, na prática, qual a vantagem de essas cores e/ou formas estarem registradas? Simples: o registro perante o INPI garante ao seu titular a exclusividade de uso daquela combinação de cores e/ou formas, sendo, portanto, essencial para impedir que terceiros as utilizem no mesmo segmento. Justamente por isso, as cores e as formas escolhidas não podem ser de uso comum ou necessário naquele segmento mercadológico, como é o caso da cor laranja para Vitamina C; caso contrário, esse uso exclusivo seria feito em detrimento de todas as empresas concorrentes.

Porém, o principal questionamento em relação ao registro dessas cores e formas é se elas, de fato, serviriam como sinal identificador da origem do produto, ou seja, como marca. No caso de medicamentos comercializados em blisters, a resposta é, sem dúvida alguma, afirmativa, pois os consumidores (inclusive analfabetos) podem identificar o medicamento não apenas pelo nome/marca, como também pelas cores e/ou formas.

No caso de medicamentos comercializados em embalagens fechadas, sejam elas caixas ou frascos, que não permitam a visualização do conteúdo, ainda assim as cores e/ou formas distintivas possuem uma função de identificação para o consumidor, principalmente, no caso de pacientes que necessitam tomar vários medicamentos simultaneamente. Nesses casos, além de uma forma de identificação, o uso de cores e/ou de formas distintivas torna-se um benefício, pois, desse modo, mesmo fora da embalagem, os consumidores podem diferenciar um medicamento de outro. Aliás, vale lembrar que, caso não houvesse diferença no aspecto físico dos comprimidos, poderia ocorrer troca ou até superdosagem, pois o usuário poderia se confundir e ingerir dois ou mais comprimidos de um mesmo medicamento.

O problema é que algumas empresas farmacêuticas – em especial aquelas que se dedicam predominantemente à fabricação de medicamentos genéricos e similares – entendem que esse benefício trazido pelas cores e/ou formas diferenciadas do produto de referência deveria ser estendido aos demais fabricantes. Isso porque, estando o princípio ativo – antes protegido por patente – em domínio público, as características extrínsecas dos comprimidos do medicamento original também deveriam ser livremente utilizadas pelas empresas de genéricos. Nesse aspecto, argumentam elas que tais características seriam meramente “funcionais”, pois teriam a função de auxiliar o consumidor/paciente na diferenciação dos diversos comprimidos que são geralmente ingeridos simultaneamente. Por esse motivo, as cores e as formas não poderiam ser registradas como marca, pois tal proteção impede o uso por concorrentes, já que as marcas, diferentemente das patentes, não caem em domínio público.

Ocorre que essa é exatamente a principal finalidade – e vantagem – do registro marcário: o uso exclusivo por seu titular, o qual, além de ser um direito previsto pela LPI, é uma garantia constitucional. Assim sendo, estando as características do comprimido/cápsula registradas como marca, definitivamente, elas não podem ser utilizadas pelos concorrentes. Aliás, vale acrescentar que, mesmo que tais características não estejam amparadas por um registro marcário ­– como é o caso da cor e da forma da pílula azul do VIAGRA -, se elas forem muito conhecidas do público em geral, elas podem ser protegidas por meio da repressão à concorrência desleal. Em outras palavras, nesses casos, o titular pode impedir que fabricantes de genéricos e similares façam uso dessas características, as quais, mesmo que apenas em sentido figurado, são a “marca registrada” do produto.

 


 

©Deborah Portilho* e
Tais Capito** – julho de 2022

Contatos:
deborah.portilho@dportilho.com.br e
contato@capittomarcas.com.br

* Advogada especializada na área de Propriedade Industrial, Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação e com MBA em Marketing; sócia-diretora da D.Portilho Consultoria & Treinamento em Propriedade Intelectual.

**Advogada, com atuação na área de Propriedade Intelectual, especializada em Direito Empresarial pela PUC/SP, sócia-diretora da Capitto Marcas e Patentes Ltda e Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual da OAB/SP-Subseção Jabaquara.

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