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Enfim, ao apagar das luzes, a Resolução da ANVISA sobre Marcas de Medicamentos

por Deborah Portilho
Revista Eletrônica Consultor Jurídico, 01 de novembro de 2014

 

Em 10 de outubro de 2014, Dirceu Brás Aparecido Barbano deixou o cargo de diretor-presidente da ANVISA, no qual permaneceu por dois mandatos. E foi no seu último dia no cargo, ao apagar das luzes, que ele assinou a nova Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) da ANVISA sobre os nomes/marcas de medicamentos —RDC nº 59/2014 —, cuja publicação ocorreu no DOU, de 13 de outubro de 2014.

Inicialmente, a RDC nº 59/2014 teve como texto base aquele levado à Consulta Pública (CP) em julho de 2010 (CP nº 72/2010), sobre o qual, diversas entidades[1] interessadas no assunto apresentaram à ANVISA suas contribuições e sugestões. Após a devida análise e consolidação dessas contribuições, em maio de 2013, a ANVISA publicou a Versão Consolidada (VC) da proposta de resolução (VC nº 07/2013), a qual foi debatida em Audiência Pública em 23.09.2013 e que deveria ser a última etapa de discussões antes da publicação do texto definitivo.

Considerando que ainda havia um grande descontentamento por parte dos laboratórios farmacêuticos, os quais seriam diretamente afetados pelas novas regras, o assunto continuou a ser discutido entre representantes das entidades da indústria e diretores e técnicos da ANVISA. A partir dessas discussões, uma proposta mais sucinta e também mais próxima dos interesses da indústria foi apresentada em fevereiro de 2014 pelo relator da resolução, que foi o próprio Dr. Dirceu. A versão que acabou sendo publicada, como RDC nº 59/2014, não foi exatamente essa de fevereiro, mas foi bem mais próxima dela do que da versão consolidada em maio de 2013. E, em vista do que existia em termos de normas sobre marcas de medicamentos e também das possibilidades aventadas nos textos anteriormente apresentados, a nova resolução até que é bem positiva.

Como não cabe discutir toda a resolução neste artigo, destacaremos apenas algumas questões que podem ser consideradas mais preocupantes e uma novidade.

Comecemos, então, pela novidade. Finalmente, a Anvisa adotou a expressão “nome de medicamento”[2], para identificar os nomes sob os quais os medicamentos são comercializados, sejam eles marcas, ou os nomes dos princípios ativos (no caso dos genéricos). A expressão anteriormente utilizada era “nome comercial de medicamento”, ou apenas “nome comercial”. Na prática, essa novidade não altera coisa alguma em relação às empresas ou às marcas, mas simplifica bastante a comunicação entre os profissionais da área regulatória e da jurídica, haja vista que, para estes, “nome comercial” é equivalente a “nome empresarial” e não a nome de medicamento.

Já uma alteração, que não é novidade, mas que pode ser preocupante é a restrição da Anvisa com relação às “famílias de medicamentos”. Apesar de a Agência não mais exigir a alteração de marcas de produtos que já estejam no mercado, novos produtos só poderão fazer parte de uma família se eles tiverem em comum o fármaco identificador e não apenas a indicação terapêutica. Exemplificando: a Johnson OTC poderá lançar outros medicamentos da família Tylenol, desde que o novo produto tenha o mesmo fármaco identificador que os outros membros da família, no caso, o Paracetamol. Por outro lado, famílias de produtos que tenham em comum a indicação terapêutica (e não o fármaco identificador) — como a família Vick da Procter & Gamble (P&G) de produtos para gripes e resfriados, formada por produtos com diferentes fármacos identificadores — não poderão mais ser constituídas.

Independentemente desse tipo de problema, fica a dúvida: se a família Vick já é formada por produtos com diferentes fármacos identificadores, para poder integrá-la, o novo produto deveria ter o mesmo fármaco identificador do principal produto da família Vick – no caso, do Vick Vaporub? Ou será que ele poderia ter o mesmo fármaco identificador de qualquer um dos outros “membros” da família Vick? A RDC 59 não esclarece essa questão.

Outro possível problema é a definição de “complemento de nome [de medicamento]”, que também pode ser exemplificado pelas marcas da família Vick. De acordo com a RDC 59, “complemento de nome” é “uma palavra empregada como designação complementar, de uso não exclusivo, ao nome do medicamento”. Nesse caso, se o nome/marca principal do medicamento é Vick, as palavras Xarope, Pastilhas e Inalador, que são de uso não exclusivo, seriam considerados “complementos do nome [marca]” Vick. Mas e os produtos cujos nomes são formados por duas marcas registradas isoladamente, como no caso de “Vick® Diatyl®”, a Anvisa consideraria essa possibilidade de um produto ser identificado por duas marcas, ou a P&G teria que registrar “Vick Diatyl” como uma nova marca composta? Essa resposta a RDC 59 também não dá.

Mas, uma mudança positiva da nova RDC, pelo menos com relação aos textos anteriormente propostos, é que, em princípio, os nomes/marcas dos medicamentos, cujos registros sanitários já tiverem sido aprovados pela ANVISA, não serão objeto de revisão[3]. E isso, certamente, é um alívio para a indústria que temia ter que adaptar os nomes/marcas de medicamentos já consagrados no mercado às novas regras.

Entretanto, caso a Anvisa constate “potencial risco sanitário” relacionado ao nome/marca de um ou mais medicamentos que já estejam no mercado, ela poderá questionar o uso desse nome/marca[4]. O problema é que, como a RDC 59 não estabelece qualquer critério que possa ser tomado como base para avaliação de risco sanitário, como também de semelhança gráfica e/ou fonética, não se sabe como esse potencial risco será constatado pela Agência.

Todos que atuam na área têm conhecimento das enormes dificuldades de se estabelecer critérios objetivos para se fazer uma avaliação satisfatória a respeito da semelhança gráfica e/ou fonética entre duas ou mais marcas, de forma a evitar risco sanitário decorrente de erro ou confusão entre elas. Na realidade, essa avaliação é altamente complexa e subjetiva e, provavelmente devido a essa dificuldade, a Anvisa tenha optado por não incluir regras nesse sentido na RDC em questão.

É claro que o fato de a RDC não estabelecer critérios para análise de colidência de nomes de medicamentos não é a situação ideal, já que, na prática, essa análise terá que ser feita pelos técnicos da Agência, ainda que de forma subjetiva. Contudo, é melhor não ter critérios do que ter apenas um, como o insuficiente e polêmico critério das três letras, previsto pelo item 3, da RDC nº 333/2003, que permaneceu em vigor por onze longos anos e que foi agora finalmente revogado pela RDC nº 59/2014. Mas, antes tarde do que nunca! Portanto, obrigada, Dr. Dirceu!

Notas:

[1] Dentre as quais, a Ordem dos Advogados do Brasil — Subseção do Rio de Janeiro, por intermédio de sua Comissão de Propriedade Industrial e Pirataria (CPIP-OAB/RJ) e a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), por meio de sua Comissão de Estudos de Marcas, ambas as entidades representadas pela autora deste artigo.

[2] A sugestão de adotar “nome de medicamento”, no lugar de “nome nomercial”, havia sido dada pela ABPI em 2003, quando da Consulta Pública nº 51/2003 (a primeira CP da Anvisa envolvendo marcas de medicamentos), que resultou na citada RDC nº 333/2003, agora totalmente revogada.

[3] Art. 20. Os nomes de medicamentos aprovados mediante publicação do respectivo registro sanitário pela ANVISA, que estejam de acordo com a regulamentação anterior à vigência desta Resolução, não serão objeto de revisão por parte da agência

[4] Parágrafo único. Constatado potencial risco sanitário relacionado ao nome de um ou mais medicamentos, seja por vício na concessão do mesmo ou por fatos supervenientes que possam indicar a possibilidade de que este induza a erro, será instruído processo administrativo para fundamentação e avaliação do mesmo.

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