por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 174- ano 42, Jul/Ago 2018, p.46-47
É consenso na área de Marketing que a embalagem é uma poderosa ferramenta de comunicação, por vezes até mais do que a própria marca, pois a embalagem é o primeiro ponto de contato do consumidor com o produto. Nesse sentido, o Prof. Fabio Mestriner – maior especialista brasileiro em Design de Embalagens – afirma que “a embalagem e seu design gráfico e estrutural são […] um dos instrumentos por meio do qual o produto acaba se fixando em sua mente, fazendo com que ele seja lembrado e considerado na hora da compra”(1) .
Observe-se que esses conceitos se aplicam a todo e qualquer tipo de embalagem, inclusive às dos medicamentos em geral. Contudo, para os medicamentos de venda livre ou MIPs (Medicamentos Isentos de Prescrição), as embalagens são ainda mais importantes, pois são elas as responsáveis por captar a atenção do consumidor. Já para os medicamentos de venda sob prescrição, as embalagens possuem um papel secundário, pois estes são, obrigatoriamente, solicitados pelo consumidor ao balconista/farmacêutico pela marca (nome do produto) e/ou somente por meio da receita com o nome do medicamento prescrito, e não pela embalagem.
Assim sendo, a estratégia adotada pelos Departamentos de Marketing, relativa à escolha da embalagem de um novo medicamento (genérico, similar ou equivalente), pode ser determinante para o sucesso do produto, pois a embalagem pode influenciar a decisão de compra do consumidor no ponto de venda. Mas é importante advertir que existem estratégias éticas e aquelas, digamos, não tão éticas e, neste caso, o barato pode sair muito caro.
Mas antes de falarmos sobre a questão ética, vale lembrar como, quando e por que as embalagens dos MIPs ganharam importância fundamental como instrumento de venda.
Após muita controvérsia a respeito da dispensação e comercialização dos MIPs nas farmácias, i.e., se deveriam ser colocados atrás do balcão, fora do alcance dos consumidores, ou em gôndolas de modo a permitir a livre escolha dos produtos pelos clientes desses estabelecimentos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 44/2009(2), determinando que os MIPs fossem posicionados atrás do balcão. Essa RDC objetivava a redução da automedicação e do uso irracional de medicamentos pela população, tendo em vista que tais práticas podem causar severas intoxicações.
Contudo, essa resolução foi amplamente questionada pelos laboratórios éticos(3), os quais ajuizaram ações para reverter essa medida, pois ela acabava propiciando a prática da “empurroterapia”(4). A partir desses questionamentos e das cabíveis ações judiciais, um Grupo de Trabalho da ANVISA reavaliou a RDC nº 44/2009 e chegou a duas importantes conclusões: (i) que as normas nela contidas não contribuíram para a redução do número de intoxicações no país; e (ii) que houve uma maior concentração de mercado, evidenciando “o predomínio da prática da ‘empurroterapia’ e prejuízo ao direito de escolha do consumidor no momento da compra desses produtos”(5).
Como decorrência, a ANVISA publicou a RDC nº 41/2012(6), determinando que os MIPs passassem a ser expostos em gôndolas de farmácias e drogarias, ao alcance do consumidor, sem necessidade da assistência de balconistas. Desde então, os consumidores têm sido responsáveis pela escolha dos MIPs – não mais sendo submetidos às sugestões dos “empurroterapeutas de plantão”. Isso fez com que as embalagens desses produtos passassem a desempenhar um papel fundamental no ponto de venda.
Mas criar uma embalagem para o lançamento de um produto não é tarefa simples e, se esse produto for um medicamento, essa tarefa é ainda mais complexa, pois além da escolha da identidade visual do produto, a empresa precisa escolher uma marca que esteja em conformidade com as regras da ANVISA, estabelecidas por meio da RDC nº 59/2014(7) e da Orientação de Serviço nº 43/2017(8). De qualquer sorte, para a escolha de suas marcas e das respectivas embalagens, os laboratórios podem adotar diferentes estratégias, as quais, como mencionado acima, podem ser éticas, ou não.
Cabe esclarecer aqui que classificamos como “éticas” não as estratégias que estejam necessariamente em conformidade com as diretrizes da ANVISA, mas as que não desrespeitem quaisquer direitos de terceiros.
Um exemplo de estratégia ética é a adoção de uma marca e de uma embalagem totalmente distinta das dos demais medicamentos no segmento. Outra estratégia ética, bastante comum, é a adoção da mesma marca já utilizada pelo laboratório – seguida de um complemento – mantendo a identidade visual da embalagem para indicar que o novo produto pertence àquela “família”, mas acrescentando ou alterando um detalhe/cor para diferenciá-lo dos outros “membros da família”, como é o caso dos produtos RINOSORO JET, da Farmasa, e SORINE Jato Contínuo, do Laboratório Aché, os quais foram incorporados às respectivas famílias.
Bem, se classificamos como “éticas” as estratégias que não desrespeitam quaisquer direitos de terceiros, como corolário lógico, as “antiéticas” seriam aquelas que infringem tais direitos. Como estamos tratando de marcas e de identidade visual, os direitos in casu dizem respeito à propriedade intelectual das empresas sobre suas marcas e embalagens.
De maneira geral, quando a empresa (i) não lança produtos inovadores; (ii) não possui uma “família” na qual o novo produto possa ser inserido; (iii) nem dispõe de vultosas quantias para ser despendida em grandes campanhas publicitárias, a estratégia mais comum no mercado de MIPs, para que um novo produto se torne conhecido e suas vendas alcancem um patamar competitivo, dá-se por meio, principalmente, da imitação da identidade visual do produto líder da categoria e, por vezes, também de sua marca.
Isso porque, como inicialmente mencionado, os MIPs ficam dispostos em gôndolas, ao alcance dos consumidores, sem necessidade de intermediação de balconistas e/ou de farmacêuticos para a escolha do produto. Se por um lado, essa facilidade de escolha e seleção evita a famigerada “empurroterapia”, por outro, acaba por motivar as empresas a adotar embalagens e/ou marcas semelhantes, o que faz com que o consumidor confunda os produtos ou, no mínimo, associe seus atributos aos do líder.
Entretanto, apesar de a adoção de embalagens semelhantes ser o “caminho mais curto” para o sucesso do produto, ela não é a mais aconselhável. Nesse sentido, é importante salientar que as decisões de nossos Tribunais nos casos de imitação de embalagem têm sido, invariavelmente, a favor das empresas titulares dos produtos imitados e não daquelas que escolhem sempre o caminho mais fácil, ou seja, o da imitação e da cópia.
Assim sendo, caso a embalagem do seu produto seja distintiva e, consequentemente, distinta das demais do mercado, e tenha sido imitada, a empresa não deve hesitar em tomar as providências cabíveis para manter a exclusividade da identidade visual de seu produto. Nesse sentido, a empresa pode enviar uma notificação judicial ou extrajudicial e, caso essa medida não surta efeito, ajuizar uma ação de abstenção de uso, com base em concorrência desleal, já que a cópia de embalagens distintivas – facilmente reconhecidas pelos consumidores como sendo a embalagem daquele produto específico – contam com proteção, mesmo não estando registradas.
Mesmo que essa pareça ser uma medida radical, ela é praticamente a única decisão que pode ser tomada para se manter a embalagem do produto distintiva e distinta das demais do segmento. Com efeito, tendo obtido uma decisão judicial favorável – e a divulgando de forma efetiva para o mercado –, os concorrentes passarão a ser muito, mas muito mais prudentes na “escolha” de suas embalagens e a ética na concorrência dos MIPs poderá então ser celebrada!
NOTAS:
(1) MESTRINER, Fabio. Design de Embalagem – Curso Básico. São Paulo: Makron Books, 2ª ed. rev. 2002. p.24.
(2) RDC nº 44/2009 – Dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias e dá outras providências.
(3) No jargão farmacêuticos, laboratórios éticos são aqueles que não pagam bonificação aos balconistas.
(4) A “empurroterapia” é uma prática antiga no Brasil, comum desde os anos 1960, e sobrevive por força da “guelta”, que é a bonificação paga por alguns laboratórios a balconistas para que eles ofereçam os produtos destes laboratórios em detrimento daqueles prescritos. UMA PRÁTICA lesiva, comum desde os anos 60. O Globo. Rio de Janeiro, p. 26, 2ª ed., 5 fev. 2000.
De acordo com o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), a “empurroterapia” é uma prática abusiva, vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. FUJA da “empurroterapia”. IDEC, 25 jul. 2011. Disponível em:
(5) ANVISA permite que Medicamentos isentos de prescrição fiquem ao alcance do consumidor. Pfarma: Portal Farmacêutico. 27 jul. 2012. Disponível em:
(6) RDC nº 41, de 26 de julho de 2012 – Altera Resolução RDC nº 44, de 17.08.2009, que dispõe sobre Boas Práticas Farmacêuticas para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias e dá outras providências, e revoga a Instrução Normativa IN nº 10, de 17.08.2009.
(7) RDC nº 59/2014 – Dispõe sobre os nomes dos medicamentos, seus complementos e a formação de famílias de medicamentos
(8) Orientação de Serviço nº 43, de 22.12.2017 – Dispõe sobre o detalhamento da RDC nº 59/2014.
©Deborah Portilho* – junho 2018