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Marketing de Guerrilha ou de Emboscada?

Ainda há muito desconhecimento a respeito das diferenças entre o Marketing de Guerrilha e o Marketing de Emboscada, e a confusão que até podia ser aceitável há alguns anos, não se admite mais, principalmente depois que o segundo foi tipificado como crime.

Portilho, Deborah.
Revista UPpharma nº 201 – Ano 48, Janeiro/Fevereiro 2023, p.58-60.

Apesar de muitos publicitários e até de alguns advogados acreditarem que Marketing de Guerrilha e Marketing de Emboscada seriam expressões sinônimas, trata-se de duas práticas cujas origens e objetivos são totalmente distintos, inclusive, sendo o primeiro totalmente lícito, enquanto o segundo acabou evoluindo para uma prática não apenas antiética, mas também ilegal.
Assim sendo e considerando a importância desses conceitos para os profissionais que atuam nos mercados de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) e de Produtos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPPC), o propósito deste artigo é fazer a devida diferenciação entre essas duas estratégias.
Com relação ao Marketing de Guerrilha, esse conceito foi criado por Jay C. Levinson, em seu célebre livro Guerrilla Marketing, de 1982. Nele, Levinson explica que pequenas e médias empresas, geralmente com orçamentos apertados, precisam lançar mão de ações de marketing que não sejam onerosas, mas que causem grande impacto, de forma tão chamativa, que a publicidade não passe despercebida de modo algum. E, se incialmente o Marketing de Guerrilha era uma ferramenta para pequenos e médios nunciantes, há pelo menos 15 anos grandes empresas já fazem uso dele no Brasil.
Um exemplo emblemático no segmento de HPPC diz respeito à utilização de um mesmo modelo de um vestido rosa por duas atrizes famosas na estreia de um espetáculo. A “coincidência” chamou a atenção da mídia, inicialmente como sendo um “infortúnio”, mas tão logo foi percebido que se tratava de uma estratégia de marketing, alguns veículos noticiaram o caso como “emboscada” e outros, acertadamente, como “guerrilha”. O texto a seguir, intitulado “Marketing de Guerrilha cria ‘par de vasos’ para a Unilever”,
resume o episódio: Adriane Galisteu e Taís Araújo foram fotografadas no Cirque du Soleil com roupas
idênticas, e as fotos ganharam a internet nos sites de fofocas e acabaram impressas nas páginas de diversos jornais e revistas.
A gafe do par de vasos não passou de uma jogada de marketing da Unilever para sua marca de shampoo Seda1.

Ocorre que ainda existe muito desconhecimento a respeito das diferenças entre o Marketing de Guerrilha e o Marketing de Emboscada, e a confusão que até podia ser aceitável há alguns anos, não se admite mais, principalmente depois que o segundo foi tipificado como crime.
Diferentemente do que muitos acreditam, o Marketing de Emboscada não tem sua origem relacionada ao Marketing de Guerrilha. Na realidade, a expressão “ambush marketing” foi criada por Jerry C. Welsh, em 1983, para definir uma “estratégia de marketing com seus resultados programáticos, ocupando o espaço temático de um concorrente patrocinador e formulado para competir com o concorrente patrocinador pela proeminência de marketing”².
Entretanto, o “ambush marketing” acabou se tornando sinônimo de “algo parecido com roubo comercial”, já que essa expressão passou a identificar as estratégias em que existe um terceiro prejudicado, que sofre a emboscada e as consequências econômicas dela decorrentes.
Nesse aspecto, é consenso entre os advogados que o Marketing de Emboscada ocorre, principalmente, em eventos esportivos e é caracterizado por estratégias cuidadosamente planejadas por empresas concorrentes das patrocinadoras oficiais.
Por meio delas, a concorrente consegue alcançar muito mais visibilidade do que a patrocinadora oficial, que investiu fortemente para ter sua marca associada ao evento – com exclusividade – e acaba sendo ofuscada pela marca do “ambusher”.
Os advogados André Giacchetta e Márcio J. Leite relatam o motivo pelo qual essa estratégia teria começado a ser
utilizada:

[a] primeira notícia que se tem a respeito dessa prática comercial (publicitária) refere-se aos Jogos Olímpicos de 1984, quando se deu início à política de limitação do número de patrocinadores oficiais do evento (nas edições anteriores havia muitos patrocinadores que investiam valores menores). Por essa razão, empresas que não figuravam como patrocinadoras oficiais passaram a buscar alternativas para a veiculação de campanhas publicitárias de seus produtos e serviços durante a realização dos Jogos Olímpicos³.

Mas, especificamente em relação à Copa do Mundo, os advogados Paulo Parente Mendes, Lucas Antoniazzi e Felipe Oquendo, narram que a FIFA (Federação Internacional de Futebol) “reconhece que o ‘início esporádico’ dos casos de ambush marketing se deu com a Copa do Mundo de Futebol de 1994, ocorrida nos EUA […]4. Desde então, em vista do crescente número de casos de Marketing de Emboscada, a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional (COI) se viram obrigados a exigir dos países-sede leis específicas contendo medidas preventivas e repressivas para as ações publicitárias de não patrocinadores.
Dessa forma e tendo em vista que fora definido que o Brasil seria a sede da Copa em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016, de modo a atender às exigências da FIFA e do COI, fez-se necessária a criação de uma lei específica para cada um desses eventos, quais sejam: Lei n° 12.663/2012 e Lei nº 13.284/2016, conhecidas como Lei Geral da Copa e Lei Geral das Olimpíadas, que vigeram, respectivamente, até 31.12.2014 e 31.12.2016.
Apesar de não estarem mais em vigor, essas leis – especialmente a Lei Geral da Copa por ter sido a primeira no Brasil a tratar do tema – foram de suma importância para a proteção dos direitos dos organizadores e dos patrocinadores.
Nesse sentido, o Marketing de Emboscada, que ainda não havia sido conceituado pela legislação brasileira, foi classificado como um “gênero” de ilícito penal que se desdobra em duas espécies: por associação e por intrusão.
Quanto ao Marketing de Emboscada por Associação, ele foi definido no art. 32 da Lei Geral da Copa, no qual estão previstos os atos considerados ilícitos. Nessa modalidade, o infrator faz alguma publicidade ou utiliza alguma embalagem que faça/contenha referência direta ou indireta ao evento, tais como, COPA DO MUNDO, COPA MUNDIAL, FIFA, uso da imagem da Taça etc., de modo a pegar uma carona indevida, i.e., sem pagar royalties pelo patrocínio.

Por seu turno, o Marketing de Emboscada por Intrusão, previsto no art. 33 da citada lei, é caracterizado pela exposição
de marcas, produtos, serviços, etc. ou pela prática de qualquer atividade promocional, atraindo a atenção do público no local do evento, sem que a empresa prejudicada possa tomar uma providência imediata para que a infração cesse.
Em vista da imprevisibilidade dessa modalidade, ela é a mais temida pelos organizadores dos eventos e, principalmente, por seus patrocinadores oficiais.
Apesar de o Marketing de Emboscada por Intrusão ocorrer mais em eventos de grande porte, ele também acontece em shows e outros eventos que reúnam grande número de pessoas. Na verdade, quanto maior o público, maior será a visibilidade do “ambusher” e maiores serão as perdas do concorrente-patrocinador oficial.
Como se verifica, afora o fato de ambas serem estratégias de marketing, as práticas de “guerrilha” e de “emboscada” são absolutamente distintas. Enquanto a primeira é caracterizada por uma publicidade lícita que não apresenta qualquer prejuízo para concorrentes e terceiros em geral, o Marketing de Emboscada é uma prática antiética, pois invariavelmente oferece prejuízo para outrem.
Com efeito, em sua modalidade mais branda, que é o Marketing de Emboscada por Associação, existe, no mínimo, um prejuízo para a entidade promotora do evento pelo não recebimento de royalties. Já a modalidade “por Intrusão” é bem mais nociva, pois, geralmente, prejudica um concorrente patrocinador que despendeu grandes quantias pela exclusividade em sua categoria.
Apesar de as Leis Geral da Copa e das Olimpíadas não estarem mais vigentes, as disposições existentes na nossa Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96, a respeito dos crimes contra registro de marca e de concorrência desleal, são perfeitamente aplicáveis às práticas ilícitas que caracterizam o Marketing de Emboscada, seja por associação ou por intrusão.
Assim sendo, se sua empresa pretende preparar uma campanha de marketing para a Copa do Mundo de Futebol Feminino em 2023 ou para as Olimpíadas de 2024, é importante observar as disposições previstas nas citadas leis gerais, que passaram a fazer parte dos regulamentos internos da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional (COI), caso contrário, a “emboscada” pode virar uma verdadeira cilada.

 

Referências:
1 Disponível em https://aletp.com.br/marketing-de-guerrilha-cria-par-de-vasos-para-a-unilever/. Acesso em: 11 jan2023.

2 Disponível em: <https://jcwelsh.wordpress.com/2010/03/11/am-bush-marketing-what-it-is-what-it-isn%E2%80%99t/>. Acesso em: 15 jan.2023 (tradução livre).

3 Disponível em: <http://www.m i g a l h a s . c o m . b r / d e P e s o / 1 6 , -M I 1 9 9 5 1 7 , 1 0 1 0 4 8 – A + C o p a + -do+Mundo+FIFA+2014+e+o+marketing+de+emboscada+contagem>. Acesso em: 17 jun. 2014

4 MENDES, Paulo Parente Marques; ANTONIAZZI, Lucas; OQUENDO, Felipe Barros. Considerações sobre o Marketing de Emboscada. In: PIMENTA, Eduardo Salles (Org.). Estudos de combate à Pirataria: em homenagem ao Desembargador Luiz Fernando Gama Pellegrini. São Paulo: Letras Jurídicas, 2011, p.583.

 


 

Deborah Portilho é advogada especializada na área de Propriedade Industrial, Mestre em Propriedade Intelectual e Inovação pela Academia do INPI com MBA em Marketing pelo Ibmec/RJ; e sócia-diretora da D.Portilho Consultoria & Treinamento em Propriedade Intelectual. E-mail: deborah.portilho@dportilho.com.br

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