por Deborah Portilho
Gazeta Mercantil, Caderno Legal & Jurisprudência, 19.11.2004
Grande parte da polêmica gerada pela Resolução RDC 199, de 17 de agosto de 2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que trata da divulgação de preços de medicamentos e proíbe a utilização de vários elementos de cunho publicitário, deve-se ao uso incorreto de alguns termos, tais como “automedicação”, “nome comercial” e “logomarca”.
O termo automedicação, por exemplo, foi utilizado na exposição de motivos da resolução para identificar uma outra prática que é a autoprescrição.
A automedicação se caracteriza pelo uso consciente de medicamentos de venda livre, isentos de prescrição, também conhecidos como “OTC’s” (sigla em inglês que significa “over the counter”). Esses medicamentos não necessitam de prescrição médica para serem adquiridos, justamente, por serem de fácil utilização e baixo risco. Eles são indicados para o tratamento e o alívio sintomático de doenças sem gravidade, como cólicas, resfriados, dores comuns, indisposições digestivas, cortes e ferimentos superficiais e outras similares, que dispensam o diagnóstico médico para serem identificadas e tratadas. Para problemas como esses, apenas se os sintomas persistirem, é que o médico deve ser consultado.
Aliás, esta é a orientação da própria Anvisa, que é transmitida à população por meio das advertências exigidas nas propagandas dos produtos OTC. Sendo assim, mesmo que de forma tácita, a Anvisa reconhece e permite a automedicação, que, a propósito, é um conceito preconizado pela Organização Mundial da Saúde e por órgãos reguladores de diversos países.
A autoprescrição, por seu turno, é caracterizada pelo consumo de medicamentos de venda sob prescrição, feito sem a necessária indicação ou receita médica. Os medicamentos de venda sob prescrição são os classificados como “Rx”, identificados por tarja vermelha, e os controlados, identificados por tarja preta. Para os primeiros, é necessária apenas a apresentação da receita médica, enquanto que para os segundos, a receita precisa ficar retida na farmácia. Entretanto, na prática, vários desses medicamentos são vendidos sem receita médica. Geralmente, o consumidor toma conhecimento do produto por indicação de um amigo ou parente e se autoprescreve. Esta prática, diferentemente da automedicação, apresenta altos riscos para a saúde e, portanto, deve ser combatida.
Em vista da distinção feita acima, fica evidente que o que a Anvisa pretende impedir ou evitar não é a automedicação, mas sim a autoprescrição, que é uma automedicação irresponsável.
Os outros termos que provocam dúvidas e confusão são: “logomarca” e “nome comercial” empregados de forma imprecisa no caput e no parágrafo 1º do artigo 2º, da RDC 199/2004.
Muitos entenderam que a Anvisa proibiu a utilização de “marcas” nas listas de preços, uma vez que o caput do Art. 2º da RDC 199/2004 autoriza que o “nome comercial” do produto conste das listas, mas não faz qualquer referência à “marca” do produto e esta constava expressamente do texto da revogada RDC 133/2001 que regulava a matéria. Assim, a retirada do termo “marca” da redação do artigo deu margem à interpretação no sentido de que a utilização da marca propriamente dita havia sido proibida.
Ocorre que a Anvisa utiliza a expressão “nome comercial” para designar o nome sob o qual o produto é identificado, o que inclui a “marca” na sua forma nominativa. Prova dessa afirmativa pode ser encontrada no item 3 da Resolução RDC 333/2003 que cuida da rotulagem de medicamentos e dispõe as normas sobre o “nome comercial”. Portanto, se a Anvisa autoriza a inclusão do “nome comercial” e se este abrange a “marca” (na sua forma nominativa), esta certamente pode constar das listas de que se cuida, mesmo que a palavra “marca” tenha sido excluída do texto da nova resolução.
Outro motivo que contribuiu para o entendimento no sentido de que a Anvisa havia proibido a inclusão de “marcas” nas listas de preços foi o texto do parágrafo 1º, do mesmo artigo 2º, da RDC 199/2004, que veda expressamente o uso de “logomarcas”.
É importante observar que, para a Anvisa, “logomarcas” são as marcas figurativas (desenhos, símbolos) e/ou as marcas mistas (nome + figura) que identificam as empresas fabricantes ou detentoras de registros de medicamento. Esse entendimento também pode ser confirmado pela leitura da citada Resolução RDC 333/2003, na qual o termo “logomarca” aparece sempre relacionado aos nomes e logotipos das empresas. Entretanto, na RDC 199/2004, a Anvisa parece ter dado um sentido mais amplo ao termo “logomarca”, incluindo, também, as marcas figurativas usadas para identificar os produtos.
De qualquer forma, não há dúvidas de que a proibição relativa ao uso de “logomarcas” não inclui as marcas nominativas (o nome comercial) dos produtos.
Aliás, a Anvisa não poderia mesmo proibir a inclusão das marcas nominativas dos produtos nas listas de preços, como alguns cogitaram, pois não poderia haver uma lista da qual constassem, apenas, o nome do princípio ativo (DCB/DCI), concentração, apresentação, número de registro e preço. Com efeito, sem a marca, o consumidor só poderia distinguir um produto do outro pelo nome do fabricante e, como a inclusão deste foi expressamente proibida, a diferenciação só poderia ser feita pelo número do registro na Anvisa e isto, certamente, não seria viável e sequer crível.
De qualquer forma, a conclusão que se tira é que a adoção e o uso de terminologia correta não é apenas um preciosismo, mas uma necessidade real e, no presente caso, isto teria evitado grande parte da polêmica que foi criada em torno do tema, bem como poupado muito tempo e trabalho de todos que foram, direta ou indiretamente, atingidos pela RDC 199/2004.