por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 164, ano 39, Nov/Dez 2016, p. 61-63
Desde 1º de junho, quando entrou em vigor a Resolução nº 166/2016 do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a forma de apostilamento dos registros de marca foi significativamente alterada e isso pode trazer alguns problemas para os titulares que tenham seus pedidos de registro deferidos e concedidos a partir dessa resolução. Mas, para poder explicar que problemas seriam esses, é necessário antes esclarecer o que é uma apostila e qual a sua finalidade.
Pois bem, apostilas são observações feitas pelo INPI, ao deferir um pedido de registro de marca, as quais são anotadas no ato da concessão, no respectivo certificado de registro.
Com relação à sua finalidade, de acordo com a versão anterior do Manual de Marcas do INPI, a apostila esclarecia à parte sobre o âmbito da proteção conferida à marca, o qual era, e continua sendo, determinado com base nas proibições constantes na Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/1996 (LPI).
Ocorre que, antes da Resolução nº 166, essas apostilas eram atribuídas caso a caso, indicando (sempre que necessário) quais as palavras e/ou figuras integrantes de uma determinada marca que não seriam passíveis de proteção, por serem de uso comum, necessário, vulgar ou simplesmente descritivas do produto/serviço identificado por aquela marca.
Por exemplo, a marca “OSTEOTRAT CÁLCIO D”, do Laboratório Biosintética/Aché, teve seu Registro nº 830783660 concedido em 21.10.2014, com a seguinte apostila: “sem direito ao uso exclusivo da expressão CÁLCIO D”. Portanto, conforme explicado acima, a apostila (ou ressalva) feita pelo INPI apenas informa ao titular qual o alcance da proteção conferida pelo registro. Como “CÁLCIO D” é uma expressão de uso comum para identificar produtos à base de cálcio e vitamina “D”, ela foi apostilada pelo INPI. Assim sendo, antes da Resolução nº 166/2016, o examinador do INPI fazia a pertinente ressalva no ato do deferimento do pedido de registro, com o objetivo de informar ao titular, aos concorrentes deste e também aos Tribunais, o limite do direito concedido por meio do registro.
Entretanto, com o advento da Resolução nº 166/2016, o INPI alterou a forma de apostilamento dos registros de marca, entre outras razões, para dar maior celeridade às decisões da Diretoria de Marcas do Instituto. Nesse sentido, em vez de fazer uma apostila específica para cada registro de marca, como costumava ser feito sempre que necessário, o INPI passou a utilizar uma apostila padrão que apresenta apenas uma lista dos incisos do art. 124, da Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI) que proíbem o registro – a título exclusivo – de sinais, termos, cores e formas que careçam de distintividade. Assim sendo, todos os certificados de registro de marca, expedidos pelo INPI a partir de 2 de junho de 2016, passaram a conter a seguinte apostila padrão:
“A proteção conferida pelo presente registro de marca tem como limite o disposto no artigo 124, incisos II, VI, VIII, XVIII e XXI(1), da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.”
Na prática, não houve qualquer alteração quanto à proteção jurídica propriamente dita. Apenas a delimitação do alcance dessa proteção é que não está mais explicitamente apresentada nos certificados de registro. Em outras palavras, a delimitação do alcance da proteção das marcas continua a existir, com base nas mesmas regras, apenas não mais de forma explícita.
O problema é que essa análise do INPI era muito importante para uma parcela dos pedidos de registro depositados, pois nem sempre é claro e óbvio (como no caso de “cálcio”) que uma determinada palavra ou expressão, que se esteja querendo proteger como marca, é de uso comum naquele determinado segmento. E a experiência dos examinadores do INPI nesse sentido era de grande valia.
Um exemplo interessante para ilustrar o problema é o da marca “NIVEA BODY BYE-BYE CELULITE” (mista), objeto do Registro nº 828079684, que foi concedido pelo INPI, em 04.03.2008, com a seguinte apostila: “sem direito ao uso exclusivo dos termos ‘BODY’ e ‘CELULITE’ ”. Na prática, isso significa que, por meio desse registro, o INPI concedeu à titular da marca (Beiersdorf Ag) o direito ao uso exclusivo de NIVEA (que já era uma marca registrada da empresa) e também da expressão “BYE-BYE”. Entretanto, se o registro dessa mesma marca tivesse sido concedido após a entrada em vigor da Resolução nº 166, o certificado de registro correspondente traria a apostila padrão reproduzida acima. Assim sendo, apesar de não haver dúvidas sobre a exclusividade de uso da marca NIVEA e sobre a não exclusividade dos termos BODY e CELULITE (que inegavelmente são de uso comum), a expressão BYE-BYE poderia ser objeto de discussão. Nesse sentido, poderia haver dúvidas se BYE-BYE apenas evoca a finalidade do produto (“dar adeus à celulite”), ou se a descreve. A diferença pode parecer pequena, mas não é. Se apenas evocar (como é o caso), ela pode ser de uso exclusivo, mas se descrever, não.
Aliás, são muitas as discussões sobre registrabilidade de marca que giram em torno dessa questão (marca evocativa x descritiva). Nesse sentido, cabe esclarecer que os termos que apenas evocam uma característica, qualidade, finalidade, ou até mesmo o próprio produto podem ser registrados como marca a título exclusivo. Por seu turno, aqueles que efetivamente descrevem, geralmente são de uso comum ou necessário no segmento e, como tal, não podem serem apropriados por uma única empresa em detrimento de todos os seus concorrentes.
Para ilustrar com produtos do mesmo segmento, podemos citar, como exemplo de outra marca evocativa, a “CELLULI ERASER” (registrada pela Biotherm) e, como exemplo de descritiva, o termo “SLIM”, que é de uso comum nesse segmento e, justamente por isso, é parte integrante de várias marcas, tais como “SLIM DETOX” (da Dermage), “INTENSIVE SLIM” (da Bio-V) e “PERFECT SLIM” (da L’Óreal), entre outras. No caso de “BYE-BYE”, muito embora essa expressão praticamente descreva a finalidade do produto, ela não se insere na categoria dos termos descritivos e genéricos. Isso porque “BYE-BYE” não é de uso necessário, comum, ou vulgar para identificar produtos nesse segmento específico e, por isso, os concorrentes, certamente, não necessitam dessa expressão para comercializar seus próprios produtos.
Assim, a partir da Resolução nº 166, se esse tipo de dúvida, ou qualquer outro que gire em torno do alcance da proteção marcária, for suscitado, infelizmente, a questão terá que ser decidida pelo Judiciário. Dessa forma, apesar de a resolução de que se cuida trazer celeridade para as decisões do INPI e, teoricamente, também para os titulares das marcas que esperam anos pela concessão de seus registros; por outro lado, alguns titulares podem enfrentar problemas por conta dessa nova forma de apostilamento. Um desses problemas é a insegurança jurídica causada pela dúvida a respeito do alcance de proteção da marca e os outros seriam os custos e o tempo necessário para se dirimir essa dúvida judicialmente. Mas só mesmo o tempo é que poderá dizer se o custo-benefício da Resolução nº 166/2016 foi positivo, ou se merecia uma “ressalva”.
Nota:
(1) Art. 124. Não são registráveis como marca:
II – letra, algarismo e data, isoladamente, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
VIII – cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo;
XVIII – termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir;
XXI – a forma necessária, comum ou vulgar do produto ou de acondicionamento, ou, ainda, aquela que não possa ser dissociada de efeito técnico;
©Deborah Portilho* – novembro de 2016