por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 118, ano 32, Maio/Junho de 2010
No último artigo publicado nesta Coluna falamos a respeito da implementação da Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA sobre Rotulagem de Medicamentos – a RDC nº 71, de 23.12.2009. Mais especificamente, discutimos o fato de a regulamentação sobre a formação dos “nomes comerciais” de medicamentos não ter sofrido qualquer alteração, uma vez que a citada RDC simplesmente manteve em vigor o item 3, da RDC nº 333/2003, que já tratava do assunto. Entretanto, em vista da inegável necessidade de novas regras sobre a matéria, em nota publicada em 25.02.2010 no site da ANVISA, a GGMED (Gerência Geral de Medicamentos) informou que pretende apresentar uma proposta de resolução para a regulamentação dos nomes comerciais de medicamentos, por meio de uma nova Consulta Pública (CP).
Considerando que a CP nº 8/2009, que resultou na referida RDC 71/2009, já continha, no item 7 de seu Anexo, uma proposta sobre essa regulamentação, é provável que a nova CP tenha como base o texto da anterior. De qualquer modo, por sua complexidade, a questão dos nomes comerciais precisará ser discutida de forma ampla e em profundidade. Para tanto, advogados, agentes de Propriedade Industrial e demais profissionais atuantes na área de Marcas e, em especial, o INPI, devem apresentar suas contribuições para uma regulamentação que atenda às reais necessidades de todos os interessados: ANVISA, empresas, consumidores e, inclusive, o INPI, por ser ele o responsável pela concessão dos registros de marcas.
Nesse sentido, cabe esclarecer que a análise sobre a formação de nomes comerciais, que será objeto da nova RDC e que é de competência da ANVISA, não se confunde com a análise feita pelo INPI, com base no Art. 124, XIX, da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI) para a concessão dos registros de marcas. Sobre esse aspecto, é importante notar que o exame do INPI é limitado ao universo das marcas constantes da sua base de dados, enquanto que a avaliação da ANVISA é feita sob a ótica do risco sanitário e leva em consideração as marcas efetivamente usadas, independentemente de terem sido depositadas ou registradas perante o INPI. Portanto, as análises feitas pelos dois órgãos são complementares e não excludentes.
Assim, e partindo do princípio que a nova CP deverá ter como base as regras propostas no item 7, do Anexo da CP nº 8/2009, cabe iniciar a discussão ora sugerida abordando duas questões básicas contidas nesse item. A primeira refere-se à terminologia relativa às marcas e a segunda, mais relevante, trata da anterioridade de uma marca com relação à outra considerada colidente pela ANVISA e a forma como essa anterioridade deve ser determinada.
Sobre a primeira, nossa sugestão é a uniformização da terminologia. Nesse aspecto, cabe ressaltar que o primeiro passo já foi dado pela Gerência Geral de Propaganda da ANVISA (GGPROP). Com efeito, ao elaborar a RDC nº 96/2008 – que trata do Regulamento Técnico sobre Propaganda de Medicamentos –, a GGPROP abandonou o uso da expressão “logomarca”, cujo significado é impreciso, e que às vezes era usada como sinônimo de marca mista e outras vezes de marca figurativa, e adotou os termos “marca nominativa, figurativa e mista” , tal como utilizados pelos profissionais da área do Direito Marcário. Assim, essa terminologia, bem como outras pertencentes à área de Marcas, deveria ser definitivamente incorporada, não apenas na nova CP, mas ao Glossário de Definições Legais da ANVISA.
Mas não é só a ANVISA que precisa se adequar. Na verdade, os termos usados pelos profissionais que atuam na área de Marcas também precisam estar em conformidade com aqueles usados pela ANVISA e pelos profissionais da área Regulatória. Por exemplo, até alguns anos atrás, a expressão “nome comercial” era usada no Direito para designar o nome das empresas (“razão social”). Contudo, com a implementação da Lei 8.934/94 – que dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins – a expressão “nome empresarial” passou a ser adotada no lugar do antigo “nome comercial”. Não obstante, essa última continua sendo comumente utilizada por muitos no antigo sentido, como pode inclusive ser verificado no site do INPI. Já para a ANVISA, “nome comercial” tem um significado totalmente distinto. Para ela, “nome comercial” é o nome pelo qual um medicamento é comercializado, seja ele o nome do próprio princípio ativo ou uma marca. Assim, considerando que desde 1994, e principalmente após a adoção do Novo Código Civil de 2002, “nome empresarial” é o termo legalmente empregado para designar o nome de empresas, nada mais justo que a expressão “nome comercial” passe a ser usada somente na acepção dada pela ANVISA, i.e., apenas para os nomes de medicamentos.
A segunda questão é referente à determinação da anterioridade de uma marca com relação à outra considerada colidente pela ANVISA. De acordo com o Anexo B, do Edital de Notificação de 27.04.2005, que indica os critérios para julgamento das marcas “preferenciais”, se existirem dois medicamentos registrados na ANVISA, cujas marcas sejam colidentes, prevalecerá aquela que tiver o registro mais antigo no INPI. Já pelas regras propostas no subitem 7.2.1, da CP nº 8/2009, a anterioridade deve ser determinada pela marca deferida há mais tempo pelo INPI. Entretanto, ter a “marca deferida” há mais tempo ou ter o registro mais antigo, não é o que estabelece a real anterioridade de uma marca.
Com efeito, de acordo com a LPI, salvo a exceção prevista pelo Art. 129, parágrafo 1º – que trata do direito de precedência ao registro conferido ao usuário anterior de boa fé –, o que determina a anterioridade de uma marca em relação à outra é a data do seu depósito. Essa data pode ser aquela em que a marca foi depositada no INPI ou, no caso dos depósitos com reivindicação de prioridade, a data do depósito no país de origem da Requerente. Assim, em princípio, a data do depósito do pedido de registro da marca deveria ser para a ANVISA, como é para o INPI, o critério determinante da anterioridade.
Enfim, a discussão iniciada com as sugestões acima poderia ser o primeiro passo para a elaboração de uma regulamentação adequada e eficiente sobre a formação dos nomes comerciais de medicamentos. Obviamente, muitos outros passos e sugestões ainda precisarão ser dados até que esse objetivo seja plenamente alcançado. Mas, talvez, o passo mais significativo seja a aproximação dos profissionais das áreas Regulatória e de Marcas, em especial da ANVISA e do INPI, de modo que possa haver uma comunicação efetiva entre eles e que, dessa forma, eles passem a “falar a mesma língua”.
¹RDC nº96/08 – Anexo 1, Art. 2º – Para efeito deste Regulamento são adotadas as seguintes definições (…)
MARCA NOMINATIVA – É aquela constituída por uma ou mais palavras no sentido amplo do alfabeto romano, compreendendo, também, os neologismos e as combinações de letras e/ou algarismos romanos e/ou arábicos.
MARCA FIGURATIVA – É aquela constituída por desenho, figura ou qualquer forma estilizada de letra e número, isoladamente.
MARCA MISTA – É aquela constituída pela combinação de elementos nominativos e figurativos ou de elementos nominativos com grafia apresentada de forma estilizada.
©Deborah Portilho – abril 2010