PARECER[1] ACERCA DO RISCO DO USO INDEVIDO DA MARCA KONI, COMO MARCA ECOMO SUBSTANTIVO, E DA CARACTERIZAÇÃO DE CRIME CONTRA REGISTRO DE MARCA E DE CONCORRÊNCIA DESLEAL DECORRENTE DE TAIS USOS POR TERCEIROS NÃO AUTORIZADOS.[2]
DO OBJETO DA CONSULTA E DAS BASES PARA O PRESENTE ESTUDO
Consulta-nos o GRUPO TRIGO, em nome da empresa FRM Franquia Ltda. (ora “Consulente”), acerca de três questões relacionadas à sua marca registrada KONI STORE, quais sejam:
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- o risco do uso da marca KONI – elemento principal e distintivo da marca registrada KONI STORE – que vem sendo usada indevidamente, como marca e como substantivo, por diversas empresas concorrentes;
- a possibilidade de generificação e degenerescência (Genericismo[3]) da marca KONI em decorrência do seu uso indevido como sinônimo de temaki, que é o produto que ela identifica; e
- a possibilidade de configuraçãode crime contra registro de marca e de concorrência desleal decorrentes de tal uso indevido.
Assim sendo, o presente parecer foi elaborado com base não apenas na Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/1996 (LPI) – que inclui o direito sobre as marcas e a repressão à concorrência desleal – mas também com base na doutrina jurídica nacional e estrangeira que estuda os casos de Genericismo. Ademais, o parecer leva em conta alguns princípios de Psicologia Cognitiva aplicados ao Direito Marcário, tendo em vista que a confusão causada pelo uso indevido da marca KONI no mercado pode influenciar na percepção do consumidor sobre ela, contribuindo, assim, para sua generificação.
De forma que a exposição da matéria e as conclusões do parecer solicitado pela Consulente possam ser apreciadas e compreendidas com suficiente clareza, o parecer foi elaborado seguindo a linha de raciocínio que está apresentada abaixo, em forma de sumário.
I. O Temaki, as Temakerias e a Marca “KONI STORE” II. As marcas sob a ótica do Direito Marcário II.2. Funções da Marca II.3. Delimitação do alcance de proteção das marcas e o apostilamento de marcas pelo INPI: antes e depois da Resolução nº 166/2016 II.3.1. O apostilamento de termos genéricos e descritivos no segmento de Temakerias II.3.2. O alcance da proteção das marcas KONI STORE e KONI EXPRESS II.4. Classificação das marcas quanto à distintividade II.4.1. Termos genéricos, necessários, comuns e vulgares II.4.2. Termos descritivos II.4.3. Termos evocativos II.4.4. A nossa versão do Espectro de Distintividade “Abercrombie” e a posição nele ocupada pelas marcas KONI e KONI STORE II. 4.4.1. O entendimento do INPI sobre a distintividade das marcas KONI e KONI STORE III. GENERICISMO: quando as marcas se tornam sinônimos dos produtos III.1. Generificação
V. Conclusões |
I. O Temaki, as Temakerias e a Marca “KONI STORE”
O temaki nasceu no século XIX como reaproveitamento dos alimentos que sobravam do preparo de sushis, sashimis e filés de peixes, tornando-se uma opção rápida para os japoneses que moravam em Edo, cidade que posteriormente virou a capital do Japão, Tóquio. Os ingredientes do temaki são os mesmos do sushi e dos outros pratos conhecidos da culinária japonesa, envoltos em uma alga (nori), recheado de arroz (gohan) e mais algum ingrediente, como salmão, atum, shitake, entre outros.
A etimologia da palavra temaki deriva do modo de preparo do produto, já que, em japonês, “te” significa mão e “maki” enrolado. Portanto, “enrolado com a mão”.
Sabe-se que a gastronomia nipônica é bastante popular no Brasil e já faz parte do nosso paladar há várias décadas. Muito provavelmente isso seja devido ao fato de tal culinária reunir ingredientes leves e naturais que combinam bem com o clima tropical do Brasil. Por esse motivo, durante as últimas décadas houve um aumento expressivo na quantidade de restaurantes especializados em comida japonesa.
Paralelamente ao gosto pela gastronomia nipônica, a necessidade cada vez maior de alimentos que possam ser consumidos de forma rápida, fez com que surgissem nos últimos anos diversas casas especializadas em comida japonesa fast-food, entre as quais, as primeiras temakerias em São Paulo: o TEMAKI BAR, em 1993, e o TEMAKI EXPRESS, em 2003.
Nesse contexto, em 2006, a KONI STORE surgiu no Rio de Janeiro, no bairro do Leblon, como um fast-food de comida japonesa com a proposta de comercializar temakis de diversos sabores, passando a oferecer também outras opções rápidas da culinária japonesa, como rolls, yakisobas, saladas, combinados de sushi, sashimi, entre outros[1].
II. As marcas sob a ótica do Direito Marcário
II.1. Definição de Marca
A definição de marca para a Propriedade Intelectual, bem como o entendimento sobre suas principais funções são imprescindíveis para:
(i) a compreensão do grau de proteção conferido a uma determinada marca, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, por meio do competente registro; e
(ii) a avaliação da capacidade distintiva dessa marca e de sua possível generificação.
Não por coincidência, as definições apresentadas por João da Gama Cerqueira, o maior jurista da área de Propriedade Industrial e por Philip Kotler, considerado um dos pais do Marketing, têm a identificação e a distinção em comum.
Com efeito, para Gama Cerqueira, “marca é todo sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral para identificá-los e diferenciá-los de outros idênticos ou semelhantes de origem diversa” (CERQUEIRA, 1982, p.773-774). No mesmo sentido, Philip Kotler afirma que “[u]ma marca é um nome, termo, símbolo, desenho – ou uma combinação desses elementos – que deve identificar os bens ou serviços de uma empresa ou grupo de empresas e diferenciá-los dos da concorrência” (KOTLER, 2005, p.426).
“Em busca de uma definição universal [de marca]”[2], o Professor Lélio Denicoli Schmidt cita definições de diferentes autores e conclui que “a marca deve ser definida simplesmente como um sinal distintivo que diferencia um produto ou serviço de outro. Não necessariamente idêntico, semelhante ou afim, nem necessariamente de origem diversa. É a definição seguida com pequenas variações por boa parte da doutrina e assim sintetizada por Paul Mathély: a marca […] é um signo aplicado aos produtos ou serviços de uma pessoa, com a função de distingui-los (SCHIMIDT, 2013, p. 35, grifo nosso).
Assim, com base na doutrina especializada, a marca pode ser definida como um sinal distintivo, capaz não apenas de identificar produtos/serviços, mas também de diferenciá-los de outros provenientes da mesma origem (fabricante), ou de origem diversa, estejam esses produtos/serviços no mesmo segmento (temakerias, por exemplo), em segmentos afins (pizzarias), ou diferentes (lojas de roupas).
II.2. Funções da Marca
É importante observar que enquanto a definição diz o que é, descreve e explica o significado do termo “marca” (de forma estática), a função indica o propósito, a utilidade e a serventia da marca (de forma dinâmica). Assim, como explica Lélio Schmidt, a distintividade é de tal forma essencial à marca que está presente em sua própria definição como um sinal distintivo destinado a diferenciar um produto ou serviço de outro (SCHMIDT, 2013, p.50, grifos nossos).
Além da função distintiva, as marcas desempenham outras funções no mercado – tanto de ordem econômica, como empresarial. Nesse sentido, José de Oliveira Ascensão, professor catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa, entende que sejam quatro as funções que poderiam ser exercidas pelas marcas: a de indicação de origem; a de garantia ou índice de qualidade; a publicitária; e a distintiva, sendo esta a principal (ASCENSÃO, 2002, p. 45-6).
Especificamente com relação à função de origem, o próprio Ascensão afirma que “hoje este entendimento é insustentável” (ASCENSÃO, 2002, p.45). Nesse sentido, a Prof. Maitê Moro explica que, em épocas mais remotas, essa era considerada a principal função da marca, ou a sua “função por excelência”, mas que esse conceito já está ultrapassado (MORO, 2003, p. 38).
Com efeito, devido às inúmeras fusões e aquisições que vêm ocorrendo no mercado nas últimas décadas, bem como ao surgimento de diversas franquias dos mais variados produtos e serviços, não há dúvidas de que o consumidor desconheça quem seja o titular da marca, ou o dono do negócio. Na realidade, o que importa para o consumidor é a marca do produto/serviço que ele prestigia. Daí a importância que todas as franquias dão à manutenção do padrão de qualidade do produto/serviço, bem como à uniformização de toda a identidade visual do negócio e, em particular, da marca, pois é ela que o consumidor procura e, certamente, é ela que fideliza o cliente.
No que diz respeito à função de garantia de qualidade, Ascensão explica que a marca não é um sinal de qualidade, pois a qualidade do produto pode variar sem que isso tenha qualquer reflexo no âmbito jurídico (ASCENSÃO, 2002, p. 46). Com efeito, a qualidade de determinado produto ou serviço, bem como a manutenção do nível dessa qualidade, é uma decisão do fabricante para garantir a fidelidade do consumidor, mas não uma exigência legal relacionada à marca. Nesse sentido, Lélio Schmidt acrescenta que “[a] preservação da qualidade não é uma obrigação jurídica exigível da marca, embora na prática ela sugestione o consumidor nesse sentido” (SCHMIDT, 2013, p. 61).
A respeito de tal sugestionamento para o consumidor, na capacidade de sujeito ativo das relações de consumo, a escolha do produto pode ser feita com base nessa “garantia de qualidade” que a marca oferece, pois ele conhece o produto pela marca e, por isso, confia. Esse conceito serve para explicar como uma marca relativamente nova como a KONI STORE, criada em 2006, de uma única loja chegou a 100 (cem) lojas em 2015. Esse crescimento notável não teria sido possível se a marca KONI STORE não oferecesse uma “garantia de qualidade” para seus clientes.
Com relação à função publicitária, Schmidt explica que “[a] marca equivale a uma mensagem publicitária (a menor e mais elementar de todas), mesmo quando desacompanhada de qualquer slogan” (SCHMIDT, 2013, p. 67), o que pode ser exemplificado com a publicidade reproduzida na Figura 1, para divulgar as Saladas Croc da KONI STORE. Observe-se que não há necessidade de qualquer mensagem publicitária, pois a marca se basta como propaganda do produto:
Figura 1 – Publicidade da Salada Croc da KONI STORE
Finalmente, sobre a função distintiva, como comentado no início deste tópico, quando diferenciamos “definição” de “função”, tanto Lélio Schmidt quanto Maitê Moro afirmam que a distintividade é a função básica, precípua da marca. No mesmo sentido, Ascensão finaliza seu estudo sobre o tema, de forma extremamente sucinta, clara e objetiva: “[c]oncluímos assim que a única função da marca [com efeitos no mundo jurídico] é a função distintiva” (ASCENSÃO, 2002, p. 46).
Desta forma, verifica-se que, mesmo não sendo a única função exercida pela marca, é pacífico na doutrina que a primeira e mais importante função é mesmo a distintiva. Como já dizia Pontes de Miranda: “a marca tem de distinguir. Se não distingue, não é sinal distintivo, não ‘assinala’ o produto[/serviço]” (PONTES DE MIRANDA, 1971, p.7).
E é exatamente isso que as marcas KONI e KONI STORE sempre fizeram e continuam fazendo: identificam uma bem-sucedida rede de temakerias e as distinguem das demais temakerias presentes no mercado.
Justamente para que a marca possa desempenhar sua função precípua de identificar, com vistas a distinguir, é que, independentemente da qualidade dos produtos das concorrentes, a Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96 (LPI) não admite a possibilidade de confusão para o consumidor. Com efeito, a LPI não só proíbe, por meio do inciso XIX, do art. 124, o registro de marca que reproduza ou imite marca anteriormente registrada, como também prevê como crime, em seu art. 189, I, a reprodução ou a imitação de marca alheia registrada. In verbis:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
[…]
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
Art. 189. Comete crime contra registro de marca quem:
I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; […]
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
II.3. Delimitação do alcance de proteção das marcas e o apostilamento de marcas pelo INPI: antes e depois da Resolução nº 166/2016
Considerando que as marcas apresentam diferentes graus de distintividade e que algumas são formadas por termos genéricos, de uso comum, necessários ou simplesmente descritivos, nem sempre todos os elementos que compõem uma marca são passíveis de proteção.
Justamente por isso, os registros são concedidos com ressalvas/apostilas, que são observações feitas pelo INPI, ao deferir um pedido, e anotadas no respectivo certificado de registro, no ato de sua concessão. De acordo com o Manual de Marcas[3] do INPI, em vigor em maio de 2015 [quando este parecer foi apresentado pela primeira vez], a apostila era assim definida:
A apostila é uma nota suplementar, conferida quando do deferimento do pedido de registro, que constará do certificado de registro, esclarecendo à parte sobre o âmbito da proteção conferida em face da lei.
Sua função é orientar o titular do direito, seus concorrentes e qualquer interessado, inclusive os nossos Tribunais, quanto à estrita e correta delimitação do direito de exclusividade conferido pelo registro concedido pelo INPI. Portanto, a “apostila” não fragmenta a marca, mas, sim, esclarece a abrangência e o limite da proteção garantida pelo registro (INPI, 2014, p. 113, grifos nossos[4]).
Ocorre que até de 1º de junho de 2016, essas apostilas eram atribuídas pelo INPI, caso a caso, indicando (sempre que necessário) quais as palavras e/ou figuras integrantes de uma determinada marca que não seriam passíveis de proteção, por serem de uso comum, necessário, vulgar ou simplesmente descritivas do produto/serviço identificado por aquela marca.
Entretanto, com o advento da Resolução nº 166/2016, o INPI alterou a forma de apostilamento, entre outras razões, para dar maior celeridade às decisões da Diretoria de Marcas do Instituto. Nesse sentido, em vez de fazer uma apostila específica para cada registro de marca, como costumava ser feito sempre que necessário – e como foi feito nos registros da marca KONI –, o INPI passou a utilizar uma apostila padrão que apresenta apenas uma lista dos incisos do art. 124, da LPI que proíbem o registro – a título exclusivo – de sinais, termos, cores e formas que careçam de distintividade. Assim sendo, todos os certificados de registro de marca, expedidos pelo INPI a partir de 2 de junho de 2016, passaram a conter a seguinte apostila padrão:
A proteção conferida pelo presente registro de marca tem como limite o disposto no artigo 124, incisos II, VI, VIII, XVIII e XXI, da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.
Na prática, não houve qualquer alteração quanto à proteção jurídica propriamente dita. Apenas a delimitação do alcance dessa proteção é que, a partir de 1º de junho de 2016, não está mais explicitamente apresentada nos certificados de registro. Em outras palavras, a delimitação do alcance da proteção das marcas continua a existir, com base nas mesmas regras, apenas não mais de forma explícita.
II.3.1. O apostilamento de termos genéricos e descritivos no segmento de Temakerias
Antes de abordarmos a delimitação da proteção das marcas KONI STORE e KONI EXPRESS, cabe exemplificar a aplicação do apostilamento do INPI, na prática, por meio de dois processos de empresas atuantes no segmento de temakerias, cujas marcas são formadas por termos irregistráveis a título exclusivo.
Nesse sentido, observe-se que, ao se depositar um pedido de registro para uma marca formada por um ou mais termos que sejam genéricos ou de uso necessário, comum ou vulgar, naquele segmento específico, o requerente (ainda que desconheça a LPI) jamais poderia ter direito ao uso exclusivo desses termos. Assim, a ressalva feita pelo INPI era – e ainda é – uma mera confirmação da inexistência de um direito que, na realidade, não poderia mesmo ser concedido.
Assim, a título de exemplo, pode-se citar a marca TEMAKI EXPRESS (mista), mencionada anteriormente e ilustrada abaixo na Figura 2. Observe-se que essa marca é formada por elementos figurativos registráveis e por uma expressão constituída por um termo genérico e outro descritivo de lanchonetes fast-food, quais sejam: TEMAKI e EXPRESS. Consequentemente, o INPI deferiu (em 30.12.2008) o respectivo Pedido de Registro nº 825369100, porém com a apostila: “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos”:
Figura 2 – Marca mista TEMAKI EXPRESS, Pedido de Registro nº 825369100, deferido “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos”.
Apesar do deferimento do Pedido de Registro nº 825369100, o titular não efetuou o pagamento das retribuições oficiais, relativas à expedição do certificado de registro e à proteção do primeiro decênio, o que ocasionou o arquivamento definitivo do pedido. De qualquer forma, a decisão do INPI serve de paradigma para casos análogos e demonstra que não pode haver direito ao uso exclusivo sobre as expressões TEMAKI e EXPRESS, por elas serem, respectivamente, genérica e descritiva para os serviços em questão.
Outro exemplo que confirma esse entendimento é a concessão do Registro nº 901335398, da marca YAP TEMAKERIA EXPRESS, ilustrada na Figura 3, a qual é formada por uma palavra registrável – “YAP”, que não tem qualquer significado em português – e pelos termos TEMAKERIA e EXPRESS, que são de uso comum para lanchonetes fast-food. Assim sendo, o INPI concedeu o registro (em 01.03.2011), porém com a apostila: “sem direito ao uso exclusivo da expressão ‘TEMAKERIA EXPRESS’”. Desta forma, o titular detém o direito ao uso exclusivo da marca YAP, do desenho em verde que a acompanha, bem como da estilização distintiva das letras (fonte tipográfica), mas não das palavras TEMAKERIA e EXPRESS, por elas serem de uso comum em relação aos serviços identificados pela marca.
Figura 3 – Marca mista YAP TEMAKERIA EXPRESS, Registro nº 901335398, concedida sem direito ao uso exclusivo da expressão “TEMAKERIA EXPRESS”.
Como se verifica, o apostilamento feito pelo INPI quando do deferimento/concessão de marcas formadas por termos genéricos, de uso comum, vulgar, ou simplesmente descritivos, porém registráveis como um todo, pelo seu conjunto, era – e continua sendo, apenas não mais de forma explícita – uma correta delimitação do alcance do direito desses titulares sobre suas respectivas marcas.
II.3.2. O alcance da proteção das marcas KONI STORE e KONI EXPRESS
Seguindo o mesmo entendimento, nos casos das marcas KONI STORE e KONI EXPRESS (ambas de titularidade da Consulente), o INPI concedeu (respectivamente, em 08.09.2010 e 15.02.2011) os Registros nºs 829097775 e 828958831 (Figuras 4 e 5 abaixo), com as devidas ressalvas, quais sejam: “sem direito ao uso exclusivo da palavra ‘STORE’” e “sem direito ao uso exclusivo da expressão ‘EXPRESS’”:
Figura 4 – Marca mista KONI STORE, Registro nº 829097775, concedido “sem direito ao uso exclusivo da palavra ‘STORE’”.
Figura 5 – Marca mista KONI EXPRESS, Registro nº 828958831, concedido “sem direito ao uso exclusivo da expressão ‘EXPRESS’”.
Assim sendo, ao apostilar tão somente as expressões STORE e EXPRESS, o INPI deixou claro que KONI é um termo distintivo e, portanto, passível de exclusividade, isoladamente. Por conseguinte, a empresa Consulente detém o direito ao uso exclusivo sobre a marca KONI, no segmento alimentício, em todo o território nacional, conforme previsto pelo art. 129 da LPI:
Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.
II.4. Classificação das marcas quanto à distintividade
II.4.1. Termos genéricos, necessários, comuns e vulgares
Na opinião de Lélio Schmidt, partindo-se do preceito hermenêutico de que a lei não contém palavras inúteis, se a LPI proíbe o registro de sinais de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, como se fossem conceitos “linearmente distintos”, as diferenças entre eles precisariam ser feitas (SCHMIDT, 2013, p.103-104).
Nesse aspecto, Schmidt comenta o entendimento de diversos doutrinadores sobre as diferenças entre tais conceitos e conclui que há pouca utilidade em se buscar uma definição estanque para essa diferenciação, haja vista que o resultado prático é o mesmo, qual seja, a ausência de distintividade intrínseca (SCHMIDT, 2013, p.107).
Por sua vez, o nobre advogado José Antônio Faria Corrêa (2007, p. 225-228) também não faz distinção entre os sinais genéricos, necessários, comuns ou vulgares, preferindo diferenciá-los apenas daqueles simplesmente descritivos. Contudo, Corrêa faz uma ressalva no sentido de que essa norma não pode ser elástica, devendo ser considerados genéricos apenas as palavras ou símbolos que “aponte[m] diretamente para dados inerentes ao produto ou serviço”; caso contrário, os sinais seriam necessariamente considerados evocativos (CORRÊA, 2007, p.226, grifos do autor).
Seja como for, tendo em vista não apenas ser possível, mas também particularmente útil para o presente Parecer, faremos a distinção entre os sinais genéricos, necessários, comuns ou vulgares, para então diferenciá-los daqueles simplesmente descritivos e dos evocativos.
Assim, genéricos seriam os termos ou expressões que representam um conceito na sua forma mais abrangente. A palavra “alimento”, por exemplo, é um termo genérico definido como: “toda substância que, ingerida por um ser vivo, o alimenta ou nutre”[5]. Já “comida” é um termo de uso necessário e comum para identificar tudo o que se come. Toda comida é um alimento, mas nem todo alimento é uma comida (nutrição parenteral, como soro na veia, por exemplo, é alimento, mas não é comida). Por seu turno, “rango” é uma forma vulgar (gíria) de se referir à comida.
Trazendo esses conceitos para o Direito Marcário, a marca “A CREPERIA” mista, ilustrada na Figura 6, é considerada um termo genérico para “serviços de bufê, bar; lanchonetes; cantinas; cafés, etc.” Justamente por isso, o respectivo Registro nº 902556258 foi concedido pelo INPI com a seguinte ressalva: “sem direito ao uso exclusivo da expressão ‘CREPERIA”. Na prática, isso significa que a empresa tem direito apenas ao uso da marca como um todo, mas não pode impedir terceiros de utilizar a palavra “creperia”, por ser o termo genérico para esse tipo de estabelecimento:
Figura 6 – Marca mista A CREPERIA Registro nº 902556258, concedido sem direito ao uso exclusivo da expressão “creperia”.
II.4.2. Termos descritivos
Para diferenciar os termos genéricos, necessários, comuns e vulgares daqueles simplesmente descritivos, valemo-nos da definição de Schmidt (2013, p. 103-104), no sentido de que os signos genéricos são aqueles formados basicamente por substantivos [como CREPERIA e TAPIOCARIA, por exemplo], pois definem a natureza de determinado produto ou serviço; enquanto que os descritivos são geralmente formados por adjetivos, pois falam das características, propriedades ou qualidades essenciais dos produtos ou serviços.
Como exemplo de marca descritiva, pode-se citar a marca da rede de fast-food BAKED POTATO. Por indicar exatamente a forma como o produto é comercializado – batata assada –, essa expressão não pode ser apropriada como marca, a título exclusivo, por uma empresa em detrimento de outras que também queiram usar esse termo em relação a seus produtos (seja em inglês, ou em português). Assim sendo, o respectivo Registro nº 824706951, para a marca BAKED POTATO (mista), ilustrada na Figura 7, para identificar restaurantes e lanchonetes, foi concedido pelo INPI (em 24.04.2007) com a ressalva: “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos”.
Figura 7 – Marca BAKED POTATO (mista), Registro nº 824706951, concedida sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos.
Considerando que a marca BAKED POTATO, ilustrada na Figura 7, é formada simplesmente por essa expressão em letras brancas estilizadas, em um fundo elíptico azul, a proteção conferida pelo registro existe, porque o pedido foi depositado na forma mista (estilizada), mas é muito fraca. Explicando de outra forma, caso o pedido de registro para a marca BAKED POTATO tivesse sido depositado na forma nominativa (ou seja, em letras de forma, sem qualquer figura ou outro elemento minimamente distintivo), o pedido teria sido indeferido, pois a ressalva acima citada teria que ser feita e não sobraria nada a ser protegido. Daí as proibições constantes do art. 124, incisos VI e XVIII, da LPI:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;
XVIII – termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir (BRASIL, 1996, grifos nossos).
Em resumo, a finalidade precípua dos dispositivos legais acima é a de impedir que determinados sinais intrinsecamente genéricos, comuns ou vulgares, ou ainda aqueles simplesmente descritivos, ou técnicos, quando relacionados aos produtos e serviços que visam identificar, sejam registrados como marca, a título exclusivo, i.e., tornem-se propriedade de um único titular, em detrimento de seus concorrentes.
II.4.3. Termos evocativos
Como o próprio nome indica, evocativas são aquelas marcas que, ao invés de descreverem o produto ou uma de suas características, elas apenas as evocam, sugerem. Ocorre que algumas marcas o fazem de forma bem direta, enquanto outras de modo sutil. Algumas utilizam, para sua formação, termos genéricos ou de uso comum na categoria em que estão inseridas, enquanto outras fazem uso de palavras ou expressões que induzam a uma associação de ideias.
Como exemplo, pode-se citar a marca ZERO CAL, para identificar adoçantes, a qual é objeto de vários registros perante o INPI, todos sem qualquer ressalva. Com efeito, a ressalva só seria cabível se, quando do depósito do primeiro Pedido de Registro nº 811081460, em 31.01.1983, a marca fosse formada por termos genéricos, necessários, ou de uso comum à época. Contudo, a palavra “ZERO” para indicar ausência de calorias até então não era usada e o conceito foi introduzido pela própria requerente da marca. Ademais, o termo “CAL” não descreve, mas sim evoca a palavra “calorias”. Portanto, a marca ZERO CAL evoca que o produto não contém calorias. Observe-se que, para que a marca fosse considerada descritiva, seria necessário que ela efetivamente descrevesse uma característica ou finalidade do produto e não apenas sugerisse ou a evocasse, como faz.
Figura 8 – Marca ZERO.CAL (mista), Registro nº 820935212, concedida em 19.06.1984, sem ressalva
Nesse sentido, o Manual de Marcas[6] do INPI, em vigor em maio de 2015 [quando este parecer foi originalmente apresentado], continha uma explicação bastante clara da razão pela qual algumas marcas evocativas e sugestivas podiam ser concedidas sem ressalvas:
Os termos que evocam ou sugerem finalidade, natureza ou outras características de produtos ou serviços são passíveis de registro sem ressalvas. Tais vocábulos ou expressões fazem referência indireta aos bens ou serviços assinalados pelo sinal, exigindo do público consumidor algum esforço intelectual para relacioná-los. Diferem, portanto, dos elementos descritivos, que comunicam imediatamente ao consumidor a natureza ou as características dos produtos ou serviços assinalados pela marca (INPI, 2014, grifos nossos).
Após a implementação da citada Resolução nº 166/2016, foi publicada uma segunda edição do Manual de Marcas, em fevereiro de 2017, a qual foi revisada em julho 2017, dela constando a seguinte explicação sobre os sinais evocativos ou sugestivos:
Os termos que evocam ou sugerem finalidade, natureza ou outras características de produtos ou serviços, ainda que possuam um grau baixo de distintividade, são passíveis de registro, conforme disposto no Parecer Normativo INPI/PROC/CAJ nº 14/2005. Tais vocábulos ou expressões fazem referência indireta aos bens ou serviços assinalados pelo sinal, exigindo do público-alvo algum esforço intelectual para relacioná-los.
Diferente dos elementos descritivos, que comunicam imediatamente ao consumidor a natureza ou as características dos produtos ou serviços assinalados pela marca, os sinais evocativos ou sugestivos não denotam o produto ou serviço que a marca visa identificar ou suas qualidades. Tais sinais buscam, de maneira conotativa, indicar o público-alvo, descrever qualidades, propriedades ou benefícios esperados, assim como, no limite, estabelecer relação indireta com o produto ou serviço assinalado pela marca (INPI, 2017, grifos do original)[7].
Assim, na prática, a concessão do primeiro registro da marca ZERO CAL, em 1984, sem ressalva, significa que o titular possui direito ao seu uso exclusivo, em todo o território nacional, e, consequentemente, o direito de impedir terceiros de fazer uso de marca igual ou semelhante, que possa causar confusão ou associação indevida pelos consumidores.
II.4.4. A nossa versão do Espectro de Distintividade “Abercrombie” e a posição nele ocupada pelas marcas KONI e KONI STORE
Tendo apresentado e exemplificado os conceitos de marcas genéricas descritivas e evocativas, podemos aplicá-los agora a outras marcas dentro do “espectro de distintividade”. Cabe observar que o conceito desse espectro foi estabelecido por meio da decisão norte-americana no processo Abercrombie & Fitch Co. v. Hunting World 537 F.2d 4 (2nd Cir. 1976) e é bastante útil para explicar o nível de proteção de diferentes marcas – das mais fortes às mais fracas – e, com base nessa classificação, explicar o alcance da proteção das marcas KONI e KONI STORE.
Na doutrina norte-americana, as marcas são divididas dentro do espectro de distintividade em cinco categorias, que variam do grau mais forte de proteção ao mais fraco: fanciful (fantasiosas) / arbitrary (arbitrárias) / suggestive (sugestivas ou evocativas) / descriptive (descritivas) / generic (genéricas).
Contudo, no nosso entender, é necessário, pelo menos, mais uma categoria, haja vista que as marcas evocativas, como mencionado anteriormente, podem ser formadas por termos de uso comum, ou a partir de associação de ideias. Por esse motivo, nosso espectro de distintividade possui uma sexta categoria, diante da divisão das marcas evocativas em (i) evocativas formadas a partir de termos de uso comum e (ii) evocativas a partir de associação de ideias.
A diferença entre elas é relativamente simples de ser explicada por meio dos exemplos ilustrados no gráfico que representa o nosso espectro de distintividade:
Já tendo sido comentado o nível de proteção das marcas A CREPERIA (genérica) e BAKED POTATO (descritiva) – ambas sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos –, passamos diretamente para as marcas evocativas.
Nesse sentido, observe-se que a marca CUP NOODLES é classificada como evocativa, pois “NOODLES IN THE CUP” (talharim no copo) é que seria a expressão descritiva do produto. De qualquer forma, como essa marca é formada por duas palavras de uso comum com relação aos produtos que identifica – NOODLES e CUP –, ela foi concedida pelo INPI “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos”.
Figura 9 – Marca CUP NOODLES (mista), Registro nº 818836440, concedida “sem direito ao uso exclusivo dos elementos nominativos”
Já com relação às marcas evocativas por associação de ideias, que são o ponto nodal do presente parecer, podemos citar a marca de salgadinhos STIKSY, cujo formato em palitinho lembra um graveto (“stick”, em inglês). Portanto, STIKSY é uma marca que evoca, por meio de associação de ideias, a forma do produto, porém sem descrevê-la. Em outras palavras, como explicado no item II.4.3. acima, a associação não é direta, nem imediata. Por isso, a marca é evocativa e não descritiva e foi registrada, inclusive na forma nominativa, sem qualquer ressalva:
STIKSY
Figura 10 – Marca nominativa STIKSY, Registro nº 829097775, concedido sem ressalva
Figura 11 –
Marca mista STIKSY, Registro nº 811209741, concedido sem ressalva
Observe-se que, nesse ponto do espectro, as marcas aí classificadas já eram – e continuam sendo – consideradas fortes. Nesse aspecto, cabe notar que tais marcas eram concedidas SEM RESSALVA, ou com RESSALVA PARCIAL.
E é justamente nessa categoria que está inserida a marca KONI STORE, já que o elemento KONI evoca a forma cônica do produto por uma associação de ideias, sem, contudo, descrevê-la. Por esse mesmo motivo, o elemento KONI não foi apostilado pelo INPI e, portanto, possui uma proteção bastante forte. Com relação à palavra STORE, isoladamente, sendo ela de uso necessário para lojas e estabelecimentos comerciais, a ressalva parcial feita pelo INPI está absolutamente correta.
No “degrau” seguinte do espectro de distintividade estão as marcas classificadas como arbitrárias. Elas são assim denominadas pela utilização de expressões já existentes no vernáculo, ou em outro idioma, mas que não guardam qualquer relação com o produto ou serviço que identificam. No ramo alimentício, podemos citar como exemplo de marca arbitrária a SUBWAY, que apesar de significar “metrô” em inglês britânico, identifica uma rede de lanchonetes. Por não descrever nem evocar serviços do setor alimentício, essa marca possui um grau de proteção significativo e, portanto, pode impedir que outras empresas no mesmo segmento, ou em segmentos afins, façam uso de marca igual ou semelhante.
Figura 12 – Marca SUBWAY (mista), Registro nº 821018701, concedida sem ressalva
Por fim, as marcas fantasiosas são as que possuem maior grau de distintividade, uma vez que são formadas por termos não dicionarizados e sem qualquer significado. A marca HÄAGEN-DAZS, por exemplo, passa a impressão de ser um nome escandinavo, mas se trata de uma expressão inventada por um fabricante de sorvete norte-americano e não possui significado algum em qualquer idioma. Daí ser ela classificada como “fantasiosa” e, como tal, possuir o mais alto grau possível de proteção marcária.
Figura 13 – Marca HÄAGEN-DAZS (mista), Registro nº 817643290, concedida em 19.11.1985, sem ressalva
II. 4.4.1. Do entendimento do INPI sobre a distintividade das marcas KONI e KONI STORE
As concessões dos registros das marcas KONI EXPRESS e KONI STORE, sem ressalva sobre o elemento KONI, já seriam suficientes para demonstrar o âmbito de proteção dessas marcas. Com efeito, se o INPI concedeu os registros sem ressalva sobre o termo KONI, isso significa que a titular tem direito ao seu uso exclusivo, em todo o território nacional. Como corolário lógico, a titular tem também o direito de impedir quaisquer terceiros não autorizados de usar marca igual ou semelhante, para identificar produto ou serviço idêntico ou afim.
Dessa forma, destacam-se duas decisões do INPI que indeferiram pedidos de registro de marcas que reproduziam a marca KONI, com base no art. 124, inciso XIX, da LPI:[8]
Essas decisões confirmam o entendimento do INPI no sentido de que à Consulente, e somente a ela, pertence o direito ao registro e ao uso exclusivo da marca KONI, em todo o território nacional.
III. GENERICISMO: quando as marcas se tornam sinônimos dos produtos
III.1 Generificação
Por terem se tornado muito famosas, algumas marcas passaram a ser usadas como sinônimo dos produtos que identificam. Algumas já estão tão incorporadas ao vocabulário corrente que a maioria das pessoas desconhece que elas um dia foram, ou ainda são, marcas registradas. São muitos os exemplos em vários segmentos de mercado: nylon, querosene, corn flakes, lanolina, trampolim, Pyrex, Isopor, Formica, Blindex, Xerox, Gillette, Chiclets, Cotonetes, entre muitos outros.
A doutrina especializada utiliza as expressões “generificação” “degenerescência” e alguns até o termo “diluição” para denominar o fenômeno que transforma marcas fortes e famosas em termos de uso comum.
Entretanto, esse fenômeno se manifesta de duas formas distintas porém correlacionadas, podendo haver generificação sem degenerescência. Nesse sentido, os autores Deven R. Desai e Sandra L. Rierson, em seu estudo intitulado Confronting the Genericism Conundrum[9], tratam dos conceitos genericism e genericide e estabelecem a diferença entre eles. Genericism é usado para identificar a doutrina prevalecente utilizada pelas cortes norte-americanas para determinar se uma marca deve ser declarada genérica e, portanto, incapaz de desempenhar seu papel de marca. Por seu turno, genericide é considerado pelos autores como um subtipo do genericism e é utilizado para identificar o processo pelo qual uma marca que já foi altamente valiosa e inquestionavelmente protegida perde todo seu status e valor. Assim, o genericism, além de englobar aspectos mais amplos relativos ao tema, incluiria o genericide.
Com base nesses conceitos, pode-se estabelecer a relação e a diferenciação entre os fenômenos da “generificação” e da “degenerescência”.
Existem marcas registradas no Brasil, tais como PYREX, ISOPOR, BLINDEX, XEROX, GILLETTE, COTONETES, entre muitas outras, que apesar de serem coloquialmente usadas como substantivos, sinônimos dos produtos que identificam, elas não perderam seu status marcário e, portanto, seus titulares continuam tendo direito ao seu uso exclusivo em todo o território nacional. Assim sendo, mesmo que “hastes flexíveis com pontas de algodão” sejam popularmente chamadas de “Cotonetes” no Brasil, a marca COTONETES só é usada pela Johnson & Johnson e as embalagens dos produtos concorrentes estampam suas próprias marcas, entre elas, BASTONETES, PALINETES, COTTON PLUS, TOPZ e COTTONBABY. O mesmo ocorre com as fotocópias XEROX, as lâminas de barbear GILLETTE e os vidros temperados BLINDEX.
Considerando que, nesses casos, as marcas não perderam sua função principal – identificar os produtos e distingui-los dos de seus concorrentes – e o direito sobre elas continua exclusivo de seus titulares, não se pode dizer que houve qualquer tipo de “degenerescência” ou degeneração. Por esse motivo, o termo “generificação” é o que melhor descreve o fenômeno ocorrido e pode ser equiparado ao genericism norte-americano.
III.2 Degenerescência ou Degeneração
Paralelamente às marcas “generificadas”, existem algumas marcas que se tornaram efetivamente termos de uso comum e já não contam mais com a proteção marcária. Nesse grupo estão nylon, originalmente marca do fio patenteado pela DuPont em 1937; querosene (ou “Kerosene” em inglês), marca do combustível desenvolvido em 1846 pelo geologista canadense Abraham Gesner; corn flakes marca do cereal da Kellogg’s lançado em 1907, apenas para citar algumas. Nesses casos, podemos dizer que essas marcas sofreram um processo de generificação e se degeneraram[10], pois não só se tornaram o nome genérico dos produtos, como perderam a proteção do direito marcário e caíram em domínio público, ou seja, perderam todas as características originais que poderiam tê-las mantido como marcas distintivas. Portanto, apenas para essa categoria, o termo “degenerescência” é aplicável e corresponde ao genericide do direito norte-americano.
III.3 As condutas que favorecem a generificação
De acordo com Lélio Schmidt, os próprios titulares podem causar ou contribuir para a generificação de suas marcas. Entre as condutas que favoreceriam a generificação, entendemos que as seguintes sejam as principais:
(i) a tolerância do titular com relação à contrafação de sua marca;
(ii) a falta de vigilância do titular com relação ao uso indevido da marca como substantivo; e
(iii) a inação do titular com relação à inclusão da marca em dicionários, indicando ser ela um sinônimo do produto/serviço e não uma marca registrada.
III.3.1. A conduta da Consulente em relação à suas marcas KONI STORE e KONI e a possibilidade de generificação dessas marcas
Para analisar essa questão, fizemos ampla pesquisa em diferentes sítios da internet, bem como buscas detalhadas na base de dados do INPI para verificar as ações que vêm sendo tomadas pela Consulente com relação às suas marcas.
Nesse sentido, foi possível observar pela base de dados do INPI que a titular da marca KONI STORE vêm apresentando oposições tempestivas a todos os pedidos de registros que incorporam o elemento KONI.
Também foi relatado pela Consulente as medidas judiciais e extrajudiciais que vêm sendo tomadas contra todas as empresas que fazem uso indevido de sua marca.
No que diz respeito às ações da própria Consulente na internet, todas estão dentro do padrão esperado de divulgação da marca – como marca – e não como substantivo. Um bom exemplo é a publicidade de uma das Saladas KONI, que está reproduzida abaixo:
Figura 14 – Disponível em: <http://www.konistore.com.br/site/cardapio/saladas_crocs>
Também merece especial destaque a entrevista dada por um dos sócios fundadores da rede, Michel Jager, veiculada no YouTube a partir de 14.07.2012, durante a qual ele fala sobre a abertura da Temakeria KONI STORE em 2006 e de sua transformação em franquia, quando da incorporação pelo Grupo Trigo[11].
No que diz respeito aos dicionários, a palavra KONI não foi encontrada nos principais dicionários brasileiros, Aurélio e Houaiss.
Assim sendo, nenhuma das condutas da Consulente com relação à sua marca, nem qualquer outro fator que poderia indicar que a marca KONI estivesse sofrendo generificação foi detectado.
III.4 A possibilidade de alegação de generificação e/ou de degenerescência como matéria de defesa
Diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos e em outros países, a Lei da Propriedade Industrial brasileira não prevê a extinção do registro pela generificação da marca. Assim sendo, como ensina o saudoso Prof. Denis Borges Barbosa, “[d]urante sua vigência [do registro], há plena oponibilidade da marca erga omnes. Não pode o INPI, nem o Judiciário, erodir tal exclusividade a pretexto de generificação” (BARBOSA, 2006, p. 116).
Ademais, como argumenta o douto José Antônio de Faria Correa, sustentar a possibilidade de reconhecer, a qualquer tempo, a ineficácia de um registro de marca válido, criaria uma instabilidade jurídica contrária aos preceitos legais. Dessa forma, é totalmente descabida a invocação de invalidade de um registro como matéria de defesa (CORRÊA, 1996, p.47).
Outro forte motivo que impede a generificação e/ou a degenerescência da marca KONI é o fato de que ela não é e nunca foi sinônimo do produto que identifica. Nesse sentido, é importante notar que, quando a KONI STORE foi criada em 2006, as temakerias já existiam no Brasil há mais de 10 anos e os temakis nunca foram e nunca precisaram ser chamados de “konis”. Portanto, este não é um termo de uso necessário, comum ou vulgar em relação a temakis.
Ademais, o fato de a marca KONI evocar a forma do produto também não implica em que ela seja descritiva. Nesse sentido, cabe salientar que a palavra “cone” não é usada para identificar os produtos comumente apresentados na forma cônica. Com efeito, produtos como sorvetes e doce de leite, entre outros, são vendidos, respectivamente, “em casquinhas” e em “canudinhos” e não em “cones” As figuras 15 a 18 abaixo comprovam o alegado:
Figura 15 – Propaganda dos sorvetes de casquinha do Burger King. Disponível em: http://loggar.in/site/burguer-king-apresenta-novidades-steakhouse-jr-e-a-inovadora-casquinha-recheada-que-chega-para-o-verao/
Figura 16 – Publicidade dos sorvetes de iogurte (“frozen”) de casquinha Disponível em: http://www.senhorsabor.com.br/index.php/tag/frozen-iorgurte/
Figura 17: Disponível em: http://blogdasreceitas.com/canudinho-facil-de-doce-de-leite-receitas-de-minuto-express-112/
Figura 18: Disponível em: http://www.chefedecozinha.net/como-fazer-pate-de-atum-no-canudinho/
Não bastassem os exemplos acima comprovando que a palavra “cone” e a marca KONI não são comumente usadas para descrever a forma do produto, o anúncio reproduzido abaixo, na figura 19, reforça esse entendimento, não deixando qualquer margem de dúvida. Nele pode-se ver que as fôrmas de molde para as casquinhas e canudinhos são denominadas “formas canudo” e não “formas cone”:
Figura 19: Disponível em: http://www.espacodogourmet.com.br/forminha-canudo-para-massa-folhada-n-1-12-unidades-doupan.html
Portanto, não há qualquer possibilidade de alegação de generificação e/ou de degenerescência, seja como matéria de defesa ou de ataque, por parte de terceiros interessados em pegar uma carona na fama e no prestígio da marca KONI.
III.5 Jurisprudência em caso análogo
Várias decisões dos tribunais brasileiros têm sido proferidas em relação ao uso indevido da marca INSULFILM por concorrentes e não concorrentes. Os trechos das decisões selecionadas abaixo não deixam dúvidas sobre a impossibilidade de se questionar a degenerescência de uma marca que está sendo usada por sua titular, da forma correta e esperada:
Apelação nº 0275298-05.2009.8.26.0000 2
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
5ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO
Registro: 2013.0000291424
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0275298-05.2009.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes INSULFILM DO BRASIL LTDA e ETOILE DISTRIBUIDORA DE VEICULOS LTDA, são apelados ETOILE DISTRIBUIDORA DE VEICULOS LTDA e INSULFILM DO BRASIL LTDA.
ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso da autora e negaram provimento ao da requerida, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA VIEGAS (Presidente sem voto), J.L. MÔNACO DA SILVA E JAMES SIANO.
São Paulo, 15 de maio de 2013.
Erickson Gavazza Marques
RELATOR
Assinatura Eletrônica
APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 0275298-05.2009.8.26.0000
Comarca : SÃO PAULO
Juiz : ANTÔNIO CARLOS SANTORO FILHO
Ação : INIBITÓRIA CUMULADA COM INDENIZATÓRIA
Apelantes e apeladas : INSULFILM DO BRASIL LTDA E ETOILE DISTRIBUIDORA DE VEÍCULOS LTDA
VOTO Nº 11517
AÇÃO INIBITÓRIA CUMULADA COM INDENIZATÓRIA – ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA E REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – MARCA REGISTRADA PELA AUTORA – USO INDEVIDO PELA RÉ – UTILIZAÇÃO DA MARCA, DE MODO GENÉRICO, PARA DESIGNAR PRODUTOS, QUE NÃO EXTINGUE A PROTEÇÃO LEGAL QUE É CONFERIDA AO SINAL DISTINTIVO – ILÍCITO RECONHECIDO – PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL – PRÁTICA QUE IMPLICOU DECRÉSCIMO NA LUCRATIVIDADE DA AUTORA – DANO MATERIAL CARACTERIZADO – VALOR A SER APURADO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA – DANOS À IMAGEM DA MARCA – DESGASTE E RISCO À BOA REPUTAÇÃO – INDENIZAÇÃO DEVIDA – SUCUMBÊNCIA CARREADA À RÉ – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO DA AUTORA PROVIDO, NÃO PROVIDO O APELO DA RÉ.
Pois bem, não há controvérsia acerca do registro da marca, que garante à autora o direito de explorá-la, cedê-la ou licenciá-la e zelar pela sua integridade material ou reputação. Ora, enquanto vigente o registro, goza a marca de proteção legal, sendo que a lei n. 9279/96 não elenca a degeneração entre as hipóteses de extinção do registro e consequente perda dos direitos.
Outrossim, o fato de os consumidores, imprensa e o público em geral utilizarem a expressão indistintamente, valendo-se da marca para se referir ao produto e, portanto, confundindo a espécie com o gênero, não autoriza a ré a também fazê-lo, quer porque detém conhecimentos técnicos na área, quer porque o faz no desenvolvimento de atividade lucrativa.
Ademais, interessante observar que a degeneração pressupõe certa omissão do detentor da marca, que deixa de tomar as medidas necessárias à sua proteção, o que certamente não se verifica no caso, eis que são conhecidos os esforços perpetrados pela autora no sentido de resguardar seus direitos, inclusive por meio de inúmeras ações judiciais que são conhecidas deste juízo.
Logo, a aventada degeneração não afasta a ilicitude da conduta da ré, valendo observar as inúmeras decisões prolatadas por este Tribunal:
“… USO DE MARCA REGISTRADA – Pretendida declaração no sentido de que a marca da autora é de domínio público, de uso comum – Descabimento – Expressão Insulfim que não apresenta aqueles característicos – Inadequado embasamento da pretensão da ré no inc. IV, do art. 124, da L. nº 9.279/96 – Expressão em si que revela criação – Marca extremamente conhecida – Circunstância, contudo, que não faz com que o titular da marca seja dela desapropriado – Inexistência de diluição ou degeneração da marca, que se encontra em plena exploração – Direito da autora à exclusividade de uso da marca preservado – Ausência de nulidade referente ao registro da marca feito junto ao INPI…” (Apelação nº 0344364- 72.2009.8.26.0000, 10ª Câmara de Direito Privado, Relator João Batista Vilhena, j. em 25/9/2012).
No mesmo sentido:
“Propriedade industrial. Marca registrada “INSULFILM”. Marca notória, que passou a integrar o léxico, mas nem por isso perde a proteção legal. Impossibilidade de concessionária de veículos lançar campanha publicitária prometendo instalar gratuitamente “INSULFILM” nos veículos e usar produto similar fabricado por concorrente. Correta determinação de abstenção do uso….” (Apelação nº 0170722-83.2008.8.26.0000, 1ª Câmara Reservado ao Direito Empresarial, j. em 11/12/2012)
E ainda:
“PROPRIEDADE INDUSTRIAL ABSTENÇÃO DO USO DE MARCA – Campanha promocional com utilização indevida da marca registrada “Insulfilm” – Procedência – Proteção conferida pelo direito marcário, que veda a concorrência desleal e prática que redunde no abalo de credibilidade do produto – Popularização do vocábulo empregado para distinguir o produto que não retira a proteção conferida pela Lei -Adoção de medidas pelo titular visando inibir o uso indiscriminado e preservar a distintividade da marca, na busca de reverter o processo de regeneração…” (Apelação nº 0009475- 56.2008.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Percival Nogueira, j. em 7/2/2013).
Quanto aos alegados danos morais, que na verdade se tratam de danos à imagem da marca, reputam-se ocorridos em virtude do desgaste e enfraquecimento decorrente do uso indevido do sinal distintivo, que também põe em xeque a reputação e qualidade dos produtos a ele vinculados, justificando-se, assim, a condenação da requerida ao pagamento da indenização fixada na sentença.
Erickson Gavazza Marques, Relator.
IV.A percepção cognitiva do consumidor com relação ao uso da marca por outras empresas
Por fim, é importante mencionar um artigo científico do pesquisador norte-americano Jacob Jacoby, PhD em Psicologia e professor de Comportamento do Consumidor e Gestão de Varejo, da New York University, intitulado “The Psychological Foudations of Trademark Law: secondary meaning, genericism, fame confusion and dilution”.[12]
No início do seu texto, o Dr. Jacoby cita o jurista norte-americano Richard Kirkpatrick, autor do livro “Likelihood of Confusion in Trademark Law”, o qual escreveu sobre a relação das marcas com a psicologia cognitiva e comportamental. Nesse aspecto, Kirkpatrick afirma que uma marca infringe o direito de outrem quando ela é passível de causar um estado mental de confusão para os consumidores. Eis o teor do texto citado por Jacoby:
“[T]rademarks are intellectual or psychological in nature. It follows that the question of trademark infringement is primarily one of the psychology – cognitive and behavioral – of consumers. A mark infringes when it is likely to cause a mental state of confusion in an appreciable number of consumers”[13] (KIRKPATRICK apud JACOBY, p. 1013).
Exatamente nesse sentido já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao falar expressamente sobre a formação cognitiva do consumidor, afirmando que a infração, ou violação marcária ocorre quando o consumidor é induzido a confundir os produtos/serviços:
COMERCIAL E CIVIL. DIREITO MARCÁRIO. USO INDEVIDO DE MARCA CARACTERIZADA. ABSTENÇÃO. INDENIZAÇÃO.
A violação marcária se dá quando a imitação reflete na formação cognitiva do consumidor que é induzido, por erronia, a perceber identidade nos dois produtos de fabricações diferentes.
O uso indevido de marca alheia sempre se presume prejudicial a quem a lei confere a titularidade.
Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ – REsp n.º 510.885/GO – j. 09.09.2003 – Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha)
Como decorrência da violação marcária, ocorre, como indicado na ementa do STJ acima, não só um dano ao interesse público (confusão do consumidor), mas também o prejuízo do titular da marca. Tal prejuízo também foi ressaltado em acórdão da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP, no sentido que a imitação causa a vulgarização do signo distintivo. Senão vejamos:
As marcas são semelhantes graficamente e também assinalam produtos similares (fls. 63/64), direcionados ao mesmo seguimento mercadológico. Ressalta-se que no plano fonético, a marca da ré guarda grande semelhança com a da autora, que detém o registro, havendo o risco de provocar confusão e associação indevida entre elas.
Tal prática causa a vulgarização do signo distintivo e prejudica a reputação comercial da legítima proprietária, lesando seu direito à preservação de sua imagem no mercado.
[Apelação nº 0001301- 81.2011.8.26.0588 – TJ/SP –2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, por unanimidade. Relator Des. José Reynaldo (Presidente). São Paulo, 24 de abril de 2012 (data do julgamento)] (grifos nossos).
Como evidenciado nas decisões em comento, a infração marcária, além de causar prejuízo ao consumidor, comprometendo sua percepção cognitiva e, por conseguinte, diminuindo sua capacidade de distinguir os serviços, ainda implica na vulgarização da marca, diminuindo sua distintividade e, consequentemente, afetando sua força e reputação no mercado.
Igualmente atento a essas questões, o Dr. Jacoby ensina qual o papel que a marca e outros indicadores de identificação de origem desempenham para a recuperação de informação na mente dos consumidores:
A unique brand name and cohesive brand identity are probably the most powerful pieces of information for consumers. They serve as ‘information chuncks’, enabling the consumer to efficiently organize, store, and retrieve information from memory. Indeed, when consumers engage in pre-purchase decision-making, brand name information tends to be the most frequently accessed type of information.” (JACOBY, p. 1024-25)
Assim sendo, não se pode permitir a coexistência de marcas muito semelhantes, para identificar o mesmo produto/serviço, sob pena não só do risco de dano ao consumidor, mas também de se permitir a vulgarização da marca e a consequente diminuição de seu valor de mercado.
Pelos mesmos motivos, não se pode permitir o uso indevido de marca alheia registrada, por constituir crime contra registro de marca e, em caso de desvio de clientela, também crime de concorrência desleal, ambos previstos pela LPI:
Art. 189. Comete crime contra registro de marca quem:
I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca registrada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão; ou
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
[…]
III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
II. CONCLUSÃO
Ante todo o exposto no presente Parecer, concluímos que:
1. A Consulente tem se demonstrado diligente na proteção de suas marcas KONI e KONI STORE, adotando todas as medidas cabíveis para sua proteção;
2. Os registros marcários concedidos para KONI STORE e KONI EXPRESS foram concedidos pelo INPI sem qualquer ressalva quanto ao uso exclusivo do termo KONI;
3. O entendimento do INPI quanto à exclusividade de uso do sinal KONI, como marca, foi corroborado em suas decisões administrativas de indeferimento de pedidos de terceiro, exatamente com base na anterioridade da marca da Consulente formada pela expressão KONI;
4. A marca KONI STORE está na categoria de marcas evocativas por associação de ideias, uma vez que apenas evoca a forma cônica do temaki, sem, contudo, descrevê-la e, portanto, possui proteção relativamente forte;
5. A expressão KONI não se encontra dicionarizada;
6. A Consulente vem tomando todas as medidas necessárias para impedir o uso indevido de sua marca, como marca e também como substantivo; e, ainda,
7. Combatendo os atos de contrafação marcária, de modo a evitar a concorrência desleal por parte de outras temakerias.
Assim sendo, entendemos que não há risco de as marcas KONI e KONI STORE estarem sofrendo um processo de generificação que pudesse levar à sua degenerescência. Em outras palavras, os registros de titularidade da Consulente são válidos e a proteção deles decorrente confere a ela não apenas a exclusividade de uso dessas marcas, como também o direito de impedir terceiros não autorizados de usarem e/ou registrarem marcas iguais ou semelhantes.
S.m.j, este é o nosso parecer.
Rio de Janeiro, 08 de maio de 2015 (atualizado em 18.07.2017)
Deborah Portilho
OAB/RJ 68.204
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ZIMMER, Bem. Inside “Genericide”. Visual Thesaurus [sítio da internet]. 2 abr. 2009. Disponível em: <http://www.visualthesaurus.com/cm/wordroutes/1803/>. Acesso em: 06 jul. 2015.
[1] Essas informações e outras estão veiculados no vídeo disponibilizado no YouTube:
<https://www.youtube.com/watch?v=zSWtd6F4ULU>.Acesso em 7 jul. 2015.
[2] Título do Capítulo I do livro “A distintividade das marcas” de Lelio Denicoli Schmidt . São Paulo: Saraiva, 2013. 318 p.
[3] INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (Brasil). Manual de marcas do INPI. Instituído pela Resolução INPI/PR nº 142/2014. Disponível em: < http://www.inpi.gov.br/portal/artigo/guia_basico_de_marcas>. Acesso em: 07 jul. 2015.
[4]Disponível em: <http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/5%C2%B709_An%C3%A1lise_do_requisito_de_distintividade_do_sinal_marc%C3%A1rio#592-Ressalva-ao-direito-Apostila>. Acesso em 07 jul 2015.
[5] HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Eletrônico 100 anos. 5ª ed. Curitiba: Positivo Informática, 2010.
[6] INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (Brasil). Manual de marcas do INPI. Instituído pela Resolução INPI/PR nº 142/2014. Disponível em: < http://www.inpi.gov.br/portal/artigo/guia_basico_de_marcas>. Acesso em: 07 jul. 2015.
[7] INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (Brasil). Manual de marcas do INPI. Instituído pela Resolução INPI/PR nº 142/2014. Disponível em: < http://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/5%C2%B709_An%C3%A1lise_do_requisito_de_distintividade_do_sinal_marc%C3%A1rio#Sinais-evocativos-ou-sugestivos>. Acesso em: 18 jul. 2017.
[8] Art. 124 – Não são registráveis como marca: XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia
[9] CARDOZO LAW REVIEW, Vol. 28:4, p. 1789
[10] Degenerar – 1. Perder as qualidades ou características primitivas (Dicionário Aurélio – 100 anos)
[11] Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zSWtd6F4ULU>.Acesso em 07.07.2015
[12] JACOBY, Jacob. The Psycological Foudations of Trademark Law: secondary meaning, genericism, fame confusion and dilution. The Trademark Reporter, Vo. 91, Sept./Oct. 2001, p. 1013-1071.
[13] KIRKPATRICK, Richard L. Likelihoood of Confusion in Trademark Law (Practicing Law Institute, 2000).