por Deborah Portilho
Revista GRUPEMEF, ano 27, nº 84, março/abril de 2005
Em novembro de 2000, após um período de 24 anos sem regulamentação, o setor farmacêutico finalmente passou a contar com um regulamento específico para a publicidade de medicamentos – a RDC 102/2000. Desde então, a ANVISA passou a monitorar e a fiscalizar a publicidade de medicamentos e de produtos sujeitos à vigilância sanitária com firmeza e com a regularidade necessária.
Para tanto, foi criada a Gerência de Monitoramento e Fiscalização de Propaganda, Publicidade, Promoção e Informação de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária – GPROP –, a qual implementou o “Projeto de Monitoração de Propaganda de Medicamentos”, em parceria com 14 universidades de todo o país. O objetivo do projeto é coletar e analisar peças publicitárias e propagandas distribuídas para a área da saúde, de modo a assegurar a defesa da saúde da população e o cumprimento da legislação sanitária vigente.
Com efeito, a análise das peças publicitárias coletadas é feita com base em normas e regulamentos inerentes somente à vigilância sanitária, notadamente aquelas previstas na resolução RDC 102/00. Assim sendo, tal análise não atende de forma completa a todas as questões relacionadas à propaganda de medicamentos, uma vez que ela não leva em conta os aspectos relativos à ética publicitária e concorrencial.
Não seria mesmo de se esperar que a ANVISA fizesse esse tipo de análise, já que não está entre as suas atribuições julgar se determinada empresa está, ou não, praticando atos de concorrência desleal. Poderia se pensar, portanto, que qualquer ocorrência desta natureza, mesmo que originada por uma publicidade ou propaganda de medicamentos, ou teria que ser levada ao Judiciário, ou tenderia a ficar sem solução.
Não necessariamente. Na verdade, existe um órgão que cuida das questões relacionadas à concorrência desleal praticada por meio de publicidade e propaganda. Este órgão é o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária – CONAR, cuja missão é zelar pela ética publicitária, impedindo que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ou prejuízo a consumidores e empresas.
Com fundamento nos preceitos básicos que definem a ética publicitária, dentre os quais está o respeito ao princípio da leal concorrência, o CONAR julga peças publicitárias dirigidas a praticamente todas as áreas, inclusive à área médica e farmacêutica. Aliás, aproximadamente 30% dos conflitos julgados pelo CONAR são relacionados a produtos e serviços farmacêuticos, o que demonstra a sua presença atuante nesta área.
Para a análise desses processos, o CONAR conta com as regras gerais do Código de Auto-Regulamentação Publicitária, bem como com normas específicas para os produtos farmacêuticos.
Entretanto, essas normas só se aplicam aos produtos farmacêuticos isentos de prescrição, já que os de venda sob prescrição não podem ser anunciados na mídia de massa.
Não obstante, o CONAR aceita denúncias que envolvam os aspectos éticos e concorrenciais relativos à publicidade dos medicamentos de venda sob prescrição e, desde 2000, já teve a oportunidade de julgar, por solicitação de empresas associadas, pelo menos quatro representações relativas à propaganda comparativa irregular de preços de medicamentos de venda sob prescrição.
Quatro casos não é muito, mas é um começo. O começo da conscientização das empresas de que existe, além do Judiciário e da ANVISA, um órgão capaz e competente para avaliar as questões relacionadas à ética publicitária, o que inclui a o respeito ao princípio da leal concorrência.
Mas a atuação do CONAR pode ir além.
Na verdade, o CONAR poderia atuar em parceria com a ANVISA, de forma a ampliar não só o monitoramento do setor, mas também o exercício do ‘poder de polícia’ da autoridade sanitária. Nesse sentido, é interessante observar que a possibilidade de um acordo de cooperação entre a ANVISA e o CONAR já havia sido mencionada em uma matéria intitulada “Anvisa vai pedir ajuda ao CONAR”, publicada em 12.08.2002, na Gazeta Mercantil. Nessa matéria, o diretor da ANVISA, Dr. Claudio Maierovitch, informou que estaria sendo celebrado um acordo de parceria com o CONAR, tendo sido esta notícia posteriormente confirmada pelo presidente do CONAR, Dr. Gilberto C. Leifert, em entrevista publicada no Boletim do CONAR de Fevereiro/2003.
Com efeito, um ano depois, o Boletim do CONAR de Janeiro/Fevereiro de 2004 noticiou a abertura, por solicitação da ANVISA, de três processos éticos. Contudo, desde então, não houve registro de qualquer outra representação aberta a partir de solicitação da ANVISA. E isso é lamentável, pois uma parceria entre a ANVISA e o CONAR seria perfeita.
Sobre essa possibilidade, Piergiuseppe Rapazzini, ex-vice-presidente da ABIMIP – Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição, em entrevista à Revista Kairos de março de 2001, se posicionou favoravelmente, afirmando que, ao invés de se criar outro ou outros instrumentos, o CONAR seria o melhor órgão a ser ouvido e ‘adotado’ para a fiscalização da propaganda/publicidade de medicamentos.
Nesse sentido, é importante mencionar que, mesmo elas não tendo força de lei, as decisões do CONAR são respeitadas e acatadas por anunciantes, agências e veículos. Justamente por isso, o CONAR conta com a credibilidade irrestrita do setor e dos consumidores.
Por todos esses motivos, um acordo de parceria entre a ANVISA e o CONAR possibilitaria que, ao papel social de proteger a saúde da população desempenhado pelo órgão governamental, fosse somada a fiscalização da ética publicitária e concorrencial, de modo a dar soluções rápidas e eficientes para aqueles conflitos e questões relacionadas à publicidade de medicamentos que não estão previstas na RDC 102/00 e que, de outra maneira, teriam que ser tratados pela ANVISA como infrações sanitárias, ou resolvidas na esfera judicial.