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Requisitos de Uso para Registro e sua Implicação na Crise de Marcas: o que as Empresas já estão fazendo?*

por Deborah Portilho**
Revista UPpharma nº 114, ano 32, Setembro/Outubro de 2009, p.48-49.

 

Não se pode mais ignorar a dificuldade que as empresas no mundo todo encontram para criar novas marcas. No Brasil, a situação é particularmente preocupante, uma vez que, diferentemente de outros países, como os Estados Unidos, o uso da marca não é condição para a obtenção, nem para a prorrogação de um registro. Essa característica do sistema brasileiro contribui significativamente para o aumento da dificuldade de se batizar um novo produto ou serviço. De qualquer forma, uma solução para o problema pode estar muito mais perto do que se imagina e algumas empresas já se deram conta disso.

Para se ter uma ideia, para uma empresa obter um registro de marca nos EUA, ela deve declarar, no ato do depósito, ou a data do primeiro uso da marca no mercado, ou a sua “intenção de uso”. Neste último caso, a empresa deve apresentar posteriormente uma declaração de uso, sem a qual o registro não será concedido pelo United States Patent and Trademark Office (USPTO). Da mesma forma, para que um registro seja prorrogado, a titular deve apresentar uma declaração de que a marca continua em uso, ou justificar seu desuso.

Apesar de diversos, no Brasil também existem requisitos para o registro de marcas. Entretanto, ainda que a Lei da Propriedade Industrial (Nº 9.279/96 – LPI) exija que a empresa efetivamente exerça a atividade para a qual a marca é requerida, na prática, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não faz essa exigência. Na realidade, ele estabelece apenas que os produtos ou serviços reivindicados estejam incluídos no objeto social da empresa à data do depósito.

Essa divergência ocorre porque a LPI estabelece o prazo de cinco anos, contados da concessão do registro, para início do uso da marca no Brasil. Desta forma, não haveria como o INPI exigir uma declaração de uso antes de decorridos esses cinco anos. O problema é que, como as atividades previstas no objeto social de algumas empresas são muito mais amplas do que as efetivamente exercidas, elas acabam depositando marcas em mais classes do que o necessário.

É importante notar que, no Brasil, a única consequência para essa prática é o cancelamento total ou parcial do registro. Nos EUA, porém, o registro pode ser cancelado por fraude, o que faz com que a empresa perca o direito à proteção da marca, inclusive com relação aos produtos ou serviços em que ela era efetivamente usada.

Em vista dessa penalidade, nos EUA, a regra é que as empresas apenas registrem e prorroguem as marcas efetivamente usadas. Portanto, é forçoso concluir que a base de dados do USPTO contém apenas marcas que estão no mercado, enquanto que a do INPI contém marcas que nunca foram usadas e que talvez nunca venham a ser.

Isso não seria um problema se essas marcas não constituíssem obstáculo ao registro de outras. Considerando que a tendência é que o problema aumente, é imprescindível que a LPI seja alterada, de modo que o uso passe a ser um requisito, tanto para a obtenção do registro como para a sua prorrogação. Só assim o INPI conseguirá enxugar sua base de dados e aumentar as possibilidades de registro de novas marcas no Brasil.

Contudo, mesmo que isso ocorra, a dificuldade de se criar marcas novas ainda continuará a existir em vista do aumento da oferta de novos produtos e serviços. O interessante é que algumas empresas já perceberam que essa dificuldade pode ser contornada com uma medida simples e “caseira”.

Na realidade, essas empresas estão apenas buscando marcas já registradas em seus próprios portifólios. Esse é o caso do antigo Complexo B Roche, que passou a ser comercializado pela Bayer com a marca BENEROC. Esta marca havia sido registrada pela Roche em 1997 e foi cedida para a Bayer quando esta comprou a unidade de consumo da Roche em 2004. Dependendo do produto, pode-se adotar até marcas que já tenham sido usadas, mas que tenham potencial para serem “recicladas”. Dois exemplos são a TaB, da Coca-Cola, e a H2OH!, da PepsiCo. A primeira identificou no passado um refrigerante dietético e ressurgiu em 2006 como TaB Energy como marca de um energético, enquanto que a H2OH! havia sido registrada nos EUA em 1993 e foi habilmente “ressuscitada” em 2006.

Como se verifica, até empresas dos EUA, que são um país com o sistema de registro enxuto, estão reciclando suas marcas para driblar a crescente dificuldade de se batizar novos produtos. Como é uma solução simples e prática, ao que tudo indica, a “reciclagem” será mesmo a palavra de ordem para a adoção de novas marcas no futuro.

 


Deborah Portilho – agosto 2009

** Advogada especializada em Marcas, com particular foco na área farmacêutica, Professora de Direito Marcário do Curso LL.M. Direito Corporativo do IBMEC/RJ e sócia-diretora da D.Portilho Consultoria e Auditoria de Marcas. Email: deborah.portilho@dportilho.com.br; dportilho@ibmecrj.br

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